Projeto de Digitalização do jornal “Ultima Hora” facilita a vida de pesquisadores ao disponibilizar o acervo de um dos veículos de comunicações mais importantes e controversos da história brasileira
A onda de digitalização de arquivos históricos parece não ter mais fim. Além da revista “Sino Azul” e do estadista e político “José Bonifácio” foram parar na internet, quem agora também está no ciberespaço, facilitando a vida de milhares de pesquisadores em todo o país, é o acervo do antigo jornal carioca, “Ultima Hora” (1951-1971). São milhares de exemplares que ajudam a contar uma parte importante da História do Brasil e também sobre a trajetória de um jornal que ajudou a modernizar a imprensa brasileira.
O fundo do jornal encontra-se desde o ano de 1990 sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Desde 2008, por ocasião da celebração dos 200 anos da imprensa brasileira, seu acerco vem sendo digitalizado e colocado à disposição do público, gratuitamente, na internet. Nesta primeira etapa do projeto foram digitalizadas mais de 36.000 páginas correspondentes a 60 meses do jornal. No site do Arquivo, podem ser consultadas edições de toda a década de 1960 e também dos anos de 1955 e 1956. E não pense que isso foi fácil. Para a realização do processo de digitalização dos exemplares, foi realizada uma parceria entre o Arquivo Público e a empresa de tecnologia AMD, que separaram as edições, limparam, microfilmaram e digitalizaram os arquivos, além de colocá-los na web. Mais de 20 funcionários participaram da operação.
Os exemplares – que pode ser conferido no endereço http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uhdigital/pesquisa.php - incluem preciosidades históricas, como a morte do presidente Getúlio Vargas, a visita de Fidel Castro ao Brasil, a primeira vez em que o homem pisou a lua, a inauguração de Brasília, o bicampeonato mundial de futebol e o Golpe de 1964, entre outros fatos marcantes do Brasil e do mundo. O time de colunistas que fizeram parte da publicação é grande e conta com nomes como Nélson Rodrigues, Agnaldo Silva, Arthur da Távola, Inácio Loyola Brandão, Jô Soares, Jaguar (caricatura), Juca Chaves, Nelson Motta, Rubem Braga, Walter Negrão.
No total, o fundo é constituído por 160.000 cópias fotográficas, cerca de 700.000 negativos, 2.160 ilustrações originais e uma coleção de jornais. Também compõe o acervo um conjunto de microfilmes produzidos na época de circulação do periódico. O Arquivo do Estado microfilmou os exemplares originais que, com os microfilmes de época, constituem uma coleção quase completa.
A trajetória de um jornal diferenciado
Criado em 1951 pelo jornalista Samuel Wainer, o Última Hora foi política e tecnicamente diferenciado de seus concorrentes da época, como é o caso do jornal O Globo, Jornal do Brasil ou do Diário Carioca. A começar por sua fundação, que deveu muito a ajuda providencial do então presidente Getúlio Vargas. O jornal de Wainer era o único na capital federal, Rio de Janeiro, a apoiar Vargas. Defendeu o presidente brasileiro dos ataques constantes da Tribuna da Imprensa, do jornalista Carlos Lacerda, antigo amigo de Wainer, mas do qual nasceria uma grande inimizade. Aliás, a desavença entre os dois jornalistas na década ao longo de suas vidas expuseram os bastidores da política brasileira da segunda metade do século XX. São histórias e casos inacreditáveis que foram revelados há mais de vinte anos em uma autobiografia deixada por Samuel Wainer antes de morrer, intitulada “Minha Razão de Viver”.
O jornal de Wainer também trouxe inovações de ordem técnicas: manchetes em tipos fortes, destaque a temas antes deixados de lado, além de novidades como concursos e distribuição de prêmios como estratégia para alavancar vendas e sair da crise financeira que sofreu nos primeiro meses de vida. As tiragens cresceram de forma impressionante. Em março de 1952, pouco mais de um ano depois de sua fundação, o Última Hora já chegava a cem mil exemplares.
O jornal trazia inovações em vários setores. Surpreendeu em sua diagramação, com o uso da cor, trabalhada de forma até então inédita. Tais recursos foram de extrema necessidade e importância para o jornal de Samuel Wainer, que tinha que causar impacto para conseguir rapidamente um público cativo e conseguir se manter como uma publicação diária. Sua primeira página chamava a atenção com sua manchete, composta por apenas duas palavras, que ocupava as oito colunas com tipos fortes. Valorizou o suo de fotografias e, por isso, estabeleceu a parceria entre jornalista e fotógrafo tão comum hoje no jornalismo no Brasil.
A cor azul compunha o logotipo, que usava uma tipologia exclusiva, e dois títulos. Isso acabava por manter uma homogeneidade da página que tinha as demais partes impressas em preto. A cor já era utilizada na imprensa, mas coube à Última Hora inovar seu uso, dar maior destaque e importância a este componente. O jornal também se valia de outros recursos gráficos como o uso de setas, o que o tornava muito didático, e fios de diversas espessuras.
Quando o fim chegou...
Alguns momentos foram memoráveis para o jornal. Após o atentado da Rua Toneleros, em Copacabana, Rio de Janeiro, em agosto de 1954, contra o dono do Tribuna da Imprensa, Carlos Lacerda, o cerco contra Getúlio Vargas aumentou. Wainer, a pedido do presidente, fez uma manchete como título “Só morto sairei do Catete”. Que foi modificada para “Ele cumpriu sua palavra: só morto sairei do Catete” , quando, na madrugada do dia 24 de agosto, Getúlio Vargas comete suicídio. A Última Hora publicou ainda um editorial intitulado “Pela ordem”, no qual Wainer pedia a manutenção da ordem para que repressões violentas não ocorressem. A tiragem chegou a 600 mil exemplares e foi o único jornal a circular, pois a distribuição dos demais foi impedida pela população.
Em 1961, a Última Hora continuava crescendo: já possuía cadeia de publicações formalmente organizada que cobria seis estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Guanabara, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. Samuel Wainer era o presidente e Luís Fernando Bocaiúva, seu vice.
Com a chegada da Ditadura Militar, entretanto, o jornal caiu em desgraça, atolado em dívidas e muito mal visto pelos militares, devido às antigas alianças de Wainer com Goulart e Juscelino. Em 1971, Wainer é forçado por dificuldades políticas e financeiras a vender o jornal para a Empresa Folha da Manhã S/A. Mesmo assim, Wainer não desiste de seu projeto. Sem demonstrar orgulho ferido, volta ao seu jornal, mas desta vez como funcionário. O Ultima Hora circular até meados dos anos 1980, quando finalmente saiu de circulação para, parodiando Vargas, entrou definitivamente para a história. História essa que começa a ser contada também em formato eletrônico em uma internet perto de você. Confira esse acervo e conheça a trajetória deste incrível veículo.
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