EMBORA os homens costumem ferir a minha reputação e eu saiba muito bem quanto o meu nome soa mal aos ouvidos dos mais tolos, orgulho-me de vos dizer que esta Loucura, sim, esta Loucura que estais vendo é a única capaz de alegrar os deuses e os mortais. A prova incontestável do que afirmo está em que não sei que súbita e desusada alegria brilhou no rosto de todos ao aparecer eu diante deste numerosíssimo auditório. De fato, erguestes logo a fronte, satisfeitos, e com tão prazenteiro e amável sorriso me aplaudistes, que na verdade todos os que distingo ao meu redor me parecem outros tantos deuses de Homero, embriagados pelo néctar com nepente .
No entanto, antes, estivestes sentados, tristes e inquietos, como se há pouco tivésseis saído da caverna de Trofônio . Com efeito, como no instante em que surge no céu a brilhante figura do sol, ou como quando, após um rígidoinverno, retorna a primavera com suas doces aragens e vemos todas as coisas tomarem logo um novo aspecto, matizando-se de novas cores, contribuindo tudo para de certo modo rejuvenescer a natureza, assim também, logo que me vistes, transformastes inteiramente as vossas fisionomias. Bastou, pois, a minha simples presença para eu obter o que valentes oradores mal teriam podido conseguir com um longo e longamente meditado discurso: expulsar a tristeza de vossa alma.
Se, agora, fazeis questão de saber por que motivo me agrada aparecer diante de vós com uma roupa tão extravagante, eu vo-lo direi em seguida, se tiverdes a gentileza de me prestar atenção; não a atenção que costumais prestar aos oradores sacros, mas a que prestais aos charlatães, aos intrujões e aos bobos das ruas, numa palavra, a que o nosso Midas prestava ao canto do deus Pã. E isso porque me agrada ser convosco um tanto sofista: não da espécie dos que hoje não fazem senão imbuir as mentes juvenis de inúteis e difíceis bagatelas, ensinando-os a discutir com uma pertinácia mais do que feminina.
Ao contrário, pretendo imitar os antigos, que, evitando o infame nome de filósofos, preferiram chamar-se sofistas , cuja principal cogitação consistia em elogiar os deuses e os heróis. Ireis, pois, ouvir o elogio, não de um Hércules ou de um Solon, mas de mim mesma, isto é, da Loucura. Para dizer a verdade, não nutro nenhuma simpatia pelos sábios que consideram tolo e impudente o auto-elogio. Poderão julgar que seja isso uma insensatez, mas deverão concordar que uma coisa muito decorosa é zelar pelo próprio nome.
De fato, que mais poderia convir à Loucura do que ser o arauto do próprio mérito e fazer ecoar por toda parte os seus próprios louvores? Quem poderá pintar-me com mais fidelidade do que eu mesma? Haverá, talvez, quem reconheça melhor em mim o que eu mesma não reconheço? De resto, esta minha conduta me parece muito mais modesta do que a que costuma ter a maior parte dos grandes e dos sábios do mundo. É que estes, calcando o pudor aos pés, subornam qualquer panegirista adulador, ou um poetastro tagarela, que, à custa do ouro, recita os seus elogios, que não passam, afinal, de uma rede de mentiras.
E, enquanto o modestíssimo homem fica a escutá-lo, o adulador ostenta penas de pavão, levanta a crista, modula uma voz de timbre descarado comparando aos deuses o homenzinho de nada, apresentando-o como modelo absoluto de todas as virtudes, muito embora saiba estar ele muito longe disso, enfeitando com penas não suas a desprezível gralha, esforçando-se por alvejar as peles da Etiópia, e, finalmente, fazendo de uma mosca um elefante. Assim, pois, sigo aquele conhecido provérbio que diz: Não tens quem te elogie?
Elogia-te a ti mesmo. Não posso deixar, neste momento, de manifestar um grande desprezo, não sei se pela ingratidão ou pelo fingimento dos mortais. É certo que nutrem por mim uma veneração muito grande e apreciam bastante as minhas boas ações; mas, parece incrível, desde que o mundo é mundo, nunca houve um só homem que, manifestando o reconhecimento, fizesse o elogio da Loucura.
Este texto é parte do livro Elogio da Loucura - Erasmo de Rotterdam
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Obrigada pela sua opinião e um grande abraço de Jaqueline Ramiro/blog Sou Maluca Sim!