“Serei escritor ou nada”
Em Maulbronn, o seminarista Hermann Hesse redigiu algumas peças de teatro em latim — que ele mesmo ensaiava com colegas e as apresentava aos alunos internos. Suas cartas aos pais eram em forma de rima e muitas em latim. Ele gostava do ambiente, mas vivia com receio de acabar virando missionário. Resolveu enfrentar o pai escrevendo-lhe uma carta com uma frase derradeira: “Serei escritor ou nada”. Mais tarde Hesse confessa: “Quanto mais avançava em idade, tanto mais compreendi quanta semelhança eu tinha com o meu pai”.
Depois de sete meses em Maulbronn, Hermann fugiu do internato. Só foi encontrado dois dias depois, confuso e transtornado. Após uma tentativa de suicídio, foi internado numa clínica psiquiátrica. Após o tratamento, ingressou num ginásio em Cannstatt, um bairro de Stuttgart. Não suportando o ambiente escolar, Hermann deixou o estabelecimento e começou a trabalhar numa livraria em Esslingen, onde suportou apenas três dias.
Regressou à casa dos pais em Calw e foi trabalhar como aprendiz na firma Perrot, que fabricava relógios para torres de igreja. Permaneceu no emprego por um ano e meio. Durante esse período, aos 17 anos, Hermann Hesse falava seriamente de planos para emigrar para o Brasil, assunto frequente nos seus apontamentos e escritos.
O relacionamento com a mãe Marie era normal e Hermann costumava dizer que a amava. O relacionamento sofreu uma ruptura abrupta numa época em que Hermann já publicara textos, comentários e seu nome já era conhecido. Hermann redigiu um pequeno texto com o título “Minha Mãe”, convencido de que ela o apreciaria. Enganou-se. A mãe, num gesto indelicado, humilhou e reduziu a nada o trabalho do filho. Passado mais de meio século, Hesse recordou com amargura do episódio e disse nunca ter perdoado a mãe.
A partir desse episódio a vida de Hermann Hesse transforma-se numa roda viva. Em 1895 começa a trabalhar numa livraria em Tübingen (que ainda existe), publica algumas poesias e uma obra com o título “Uma Hora Após a Meia-Noite”, escreve regularmente para o jornal suíço “Allgemeine Schweizer Zeitung”, e viaja três meses pela Itália. Ao regressar, trabalha num antiquário em Wattenwyl, na Suíça, e seu romance “Hermann Lauscher” é publicado. Em 1903, volta a viajar pela Itália, desta vez, acompanhado pela fotógrafa Maria Bernoulli. Ao mesmo tempo, publica sua obra “Peter Camenzind” (1904), seu primeiro romance cujo enredo contém muitos paralelos biográficos. “Peter Camenzind” torna-se um best-seller, Hesse casa com Maria Bernoulli e compra uma propriedade em Gaienhofen, no Lago de Constança, na divisa da Alemanha com a Suíça.
Às margens do lago, a criatividade literária de Hermann Hesse desenvolve-se em bom ritmo. Em 1906 publica “Debaixo das Rodas” e em 1910 “Gertrudes”, novela escrita em primeira pessoa, na qual o autor narra os infortúnios de uma dolorosa experiência de amor. Entre 1905 e 1911 nascem os seus três filhos, Bruno, Heiner e Martin. Para distrair-se Hermann Hesse pratica a jardinagem. Na área que circunda a casa, Hesse planta árvores, arbustos e cultiva rosas. Muito do que plantou na época continua a vicejar até hoje sob os cuidados de uma sociedade mantenedora que tem o zelo de conservar a propriedade e cultivar as mesmas plantas, rosas e flores que Hesse cultivara.
Em 1911 Hesse parte para uma viagem à Índia. Queria conhecer o lugar no qual a mãe nascera e onde os pais trabalharam. A viagem estende-se à Indonésia e à China. Ao regressar publica “Da Índia”. Essa viagem à Índia o decepciona por não encontrar lá o que os pais idolatravam.
Enquanto isso Maria Bernoulli começa a ter problemas psíquicos. Hermann Hesse demonstra não ser capaz de lidar e viver com uma situação dessas. Chega à conclusão que, para dar continuidade à sua ocupação literária, precisa de sossego. Maria é internada num hospital psiquiátrico e os três filhos são entregues à tutela de parentes e amigos. Resolve mudar-se para a Suíça. Deixa a propriedade e seus bens em Gaienhofen, leva consigo apenas a sua escrivaninha, vai à Berna onde aloja-se na Casa Welti. Em 1914 publica “Rosshalde”, romance no qual fala do fracasso do matrimônio de um casal de artistas. A obra traz marcantes traços biográficos. Em toda a literatura alemã Hesse é o autor que mais traços autobiográficos incluiu em sua obra.
No início da Primeira Guerra Mundial, Hermann Hesse se engaja em projetos e serviços humanitários. Um de seus trabalhos foi a criação de um grupo que se ocupou com a remessa de livros para presos em campos de concentração. Em 1915 publica “Knulp”, obra na qual o autor mostra ao leitor o quanto o homem depende de convenções sociais.
Em 1916 Hermann Hesse é acometido de uma crise nervosa que o prende por meses no sanatório Sonnmatt, em Lucerna, na Suíça. Tem início uma profunda amizade com o psicanalista J. B. Lang. Nesse estado de espírito publica um artigo contra a guerra sob o pseudônimo de Emil Sinclair e começa a ocupar-se regularmente com a pintura aquarelista.
Link indicado: HERMANN HESSE: O GURU DOS HIPPIES (PARTE 3)
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