"Vivem nas praças, no Campo da Aclamação; dormem nos morros, nos subúrbios, passam à beira dos quiosques, na Saúde, em S. Diogo, nos grandes centros de multidões baixas, apanhando as migalhas dos pobres e olhando com avidez o café das companheiras. Eu encheria tiras de papel sem conta, só com o nome dessas desgraças a quem ninguém pergunta o nome, senão nas estações, entre cachações de soldados e a pose pantafaçuda[11] dos inspetores; e seria um livro horrendo, aquele que contasse com a simples verdade todas as vidas anônimas desses fantásticos seres de agonia e de miséria! Andam por aí ulceradas, sujas, desgrenhadas, com as faces intumescidas e as bocas arrebentadas pelos socos, corridas a varadas dos quiosques, vaia- das pela garotada.
Nas noites de chuva, sob os açoites da ventania, aconchegam-se pelos portais, metem-se pelos socavões, tiritando... Às vezes, para cúmulo de desgraça, aparecem grávidas, sem saber como, à mercê da horda de vagabundos que as viola, que as tortura, que as bate, sem lhes conceder ao menos a piedade do nojo; e os filhos morrem, desaparecem, levados na tristura do seu soluçante existir, estrangulados, talvez, nos inúmeros recantos que a milícia do nosso duplo policiamento ignora. "
Texto extraído do livro "A alma encantadora das ruas", João do Rio, 1908.
O trecho acima descreve situação passada por mulheres pobres e sobre tudo negras na virada do século XX. Sofridas, marginalizadas e sem qualquer proteção do Estado, 20 anos após a abolição da escravidão negra no Brasil.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigada pela sua opinião e um grande abraço de Jaqueline Ramiro/blog Sou Maluca Sim!