2c6833b0-77e9-4a38-a9e6-8875b1bef33d diHITT - Notícias Sou Maluca Sim!: maio 2014
terça-feira, 27 de maio de 2014 1 comentários

QUANTO VALE OU E POR QUILO?

O Brasil carrega até hoje  a triste marca de ser o ultimo pais do mundo a abolir a escravidão.


     Quanto vale ou e por quilo? Pergunta comum para quem frequenta o comércio varejista, mas para a nossa reflexão o produto referido aqui  e, a carne humana e negra.

Na produção de Quanto Vale ou e por Quilo, apesar de longa, intercala momentos comuns vivenciados por pretos no passado de escravidão negra no Brasil e momentos do presente, o que da uma certa velocidade e leveza ao filme, principalmente para quem e jovem e não tem paciência para ver filmes de conteúdo histórico e filmagens contínuas.

No período escravista investir na aquisição de negros era um negócio caro, porém muito lucrativo. Por mais de três século o comércio de negros foi a base de sustentação do nosso país, não apenas pelo seu valor como peça, mas pelos serviços que esses realizavam; desde abertura de estradas, a limpeza de dejetos (fezes) dos homens brancos. Possuir muitos negros era um marcador de status social.

E no presente quem são os negros do Brasil? Onde estão e quanto valem para o mercado?

INDÚSTRIA DA SOLIDARIEDADE

Nesse sentido, o filme pega por base moradores de comunidade pobre que desenvolvem suas vidas normalmente, sendo a maioria mestiços, já que o negro brasileiro possui a peculiaridade de ter sofrido  grande miscigenação com outros povos. Envolvidos nesse contexto de moradores de favela, vemos uma rede composta por empresários, políticos e outros representantes das classes sociais mais abastadas, fazendo proveito das misérias e necessidades dos moradores- utilizando-se de Ongs e projetos que seriam de cunho filantrópico para conseguirem verbas do governo, financiamentos, patrocínios de particulares e empresas, mão de obra barata (muitas vezes gratuita) e, é claro, realizar a boa e velha lavagem de dinheiro. Sendo que nesse caso o  retorno desses empreendimentos é quase nulo para a comunidade que realmente precisa desses espaços.

Desejo salientar outro aspecto tomado pelo filme- o negro como algoz do próprio povo. No passado mostra o preto, ou mestiço que chega a ter escravos para si. E aqueles que se associam aos brancos escravistas em troca de dinheiro ou favores, também assumindo papel de algozes- contradizendo a ideia de solidariedade existente entre os negros. No presente há aqueles que realizam o mesmo tipo de associação, mas por meio de milícias e justiceiros, partidos pólicos, e certos "centros comunitários", que de comunitários levam apenas o nome e a ilusão daqueles que por infortúnio os frequentem em meio a tantos jogos de interesses.

Muito bom o filme. Abrangente e polêmico na medida certa.

Como é dito em famoso refrão de musica interpretada por Elza Soares  -  A CARNE MAIS VENDIDA NO MERCADO E A CARNE NEGRA.

 O vídeo algumas vezes demora um pouquinha para carregar (depende da sua internet). depois é só clicar no Play grande no centro da tela. Desculpem, mas foi o único lugar que consegui encontrar, completo e em perfeito estado para compartilhar com vocês. A Matrix não é brincadeira. 

#ppafrorio
#ppafro
#umquilomboprogressista
#JaquelineRamiro
sexta-feira, 23 de maio de 2014 0 comentários

A SOMBRA E PARA QUEM PODE


A propriedade privada introduz a desigualdade entre os homens, a diferença entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo, até a predominância do mais forte. O homem é corrompido pelo poder e esmagado pela violência.
(Jean-Jacques Rousseau)

Ao longo da minha vida tenho me projetado como defensora da igualdade racial e de gênero. E conheço de perto as desigualdades exorbitantes existentes entre os mais ricos e os mais pobres do meu país.

Sei que o ingresso, ainda hoje, de negros nas universidades é minoria, mas isto não se da em razão da preguiça, falta de esforço, ou mal caráter  dos negros como alguns podem vir a pensar - E sim, pelo descaso  e preconceitos, os quais foram direcionados ao longo de nossa história como nação.

Não quero fazer a linha do ódio aos brancos ou aos ricos. A questão não é quem é branco e tem dinheiro, mas sim porque temos tantos miseráveis, principalmente sendo esses em maioria negros ou afrodescendentes.  

Negros no período escravista (1500/1888) sequer eram visto como seres humanos, pela mentalidade da época, eram apenas peças e seus  * martírios começavam:  já em suas capturas ainda nas terras africanas. Sendo **escravos não possuíam direitos, nem mesmo sobre a própria vida. Eram contingente muito superior aos dos brancos na maioria das províncias, porém isso  não lhes atribuíram vantagens, ou  os fizeram  integrantes da sociedade. A "forcada" assinatura da *** Lei Áurea em 1888 libertou os escravos remanescentes, porém não deu aos libertos condições para que ocupassem  lugar nessa sociedade excludente, logo; a população negra e oprimida, foi jogada a rua sem proteção, trabalho digno, sem saúde e sem auto-estima. sobrando-lhe apenas o estigma de marginal.


Quanto a situação das mulheres muita coisa mudou, mas temos ainda muito por melhorar. O que explica a baixa quantidade de mulheres ocupando cargos de chefia? Estudos apontam que apenas **** 23% ocupam cargo de chefia ou similares e os números são bem menores quando direcionados a mulheres negras. E essas poucas que conseguem ultrapassar as fronteiras da misoginia; ainda tem de se vê às voltas com o assédio moral, sexual e discriminação.

É fácil ostentar  frases como, a  sombra é para quem pode, quando se teve por herança a casa grande. Mas não é o mesmo para que teve de herança a senzala ou as periferias.

A respeito a discrepância entre as diferentes classes sociais, geradoras de inúmeros problemas e conflitos, repondo com o vídeo abaixo:

 Pensem:  Legitimando a ideia de manter o status quo das classes mais ricas, frases feitas como - A sombra e para quem pode - são propagadas indiscriminadamente pelas redes sociais e podem até parecerem bonitinhas, no entanto, nelas estão embutidas - preconceitos, discriminação e falta de consciência  daqueles que as compartilham. Agora, assistam ao premiado documentário ILHA DAS FLORES E ME RESPONDAM: A SOMBRA E PARA QUEM PODE? E POR QUÊ?

   

 * Filme Amistad, de steven Spielberg. Estados Unidos, 1997.
**LOPES, Jose reinaldo de Lima, O direito na historia, Sao Paulo, Max limonad.
*** Lei Áurea. Imperial n 3.353 de 13 de maio de 1888. ]
**** Segundo a ong Comtra (Casa das Mulheres trabalhadoras)


quinta-feira, 22 de maio de 2014 0 comentários

ESSA E MINHA CONFISSAO

Sinto por Lúcia um carinho imenso. E mais que gostar.
Adoro sua pele clara, os cabelos compridos, a feminilidade  em seus vestidos longos. Adoro essa mulher vivida, mas com rostinho de anjo. Como gostaria de abraca-la agora, olhar em seus olhos e dizer, que entendo sua dor, suas razoes e que tem  em mim uma amiga.

Algumas vezes ando pelo centro da cidade observando rostos anônimos na multidão, na espera de poder me encontrar com ela e, enfim, dizer todas as palavras as quais ensaio. Mas ela nunca está. Sempre passo os olhos detalhadamente em todos os sobradinhos e sacadas que a vista consegue alcançar, mas além da minha vontade, porque ela estaria ali?

Ainda posso sentir seu cheiro, o perfume adocicado, nas folhas do livro que guardo com carinho na estante. O mesmo livro o qual me fez ter raiva de Paulo. Esse homem egoísta, miserável de afeto. Tem muita gente para defende-lo, mas Paulo e  covarde, ninguém me convencera do contrário. E podem falar o que quiserem a respeito de Lúcia: chame-a de louca, passional, no entanto, ninguém pode acusa-la de não ser humana. E todos merecemos segunda chance da vida.

Lúcia, Lúcia, Lúcia, o que sinto por você e amor. De todas és minha favorita. Bendito o dia que Alencar nos apresentou. Como gosto de você minha querida - LUCIOLA.
domingo, 18 de maio de 2014 0 comentários

CHUVA METALICA


Rio de Janeiro, 15 de maio de maio de 2014.
 
Foi assim que passei essa manha - com helicópteros da policia voando baixo frente  a minha janela.
Desde a madrugada muitos tiros na comunidade próxima. A chuva metálica parecia não querer acabar.
Na vizinhança nada da fofoca costumeira nos portões,
 todos pareciam obedecer a mesma ordem invisível de recolhimento.
 Exceto pelo som dos helicópteros e tiros o resto era silencio e olhares atentos com a universal expressão -  MEDO.
 Sou privilegiada, mas como deve ter sido a manha daqueles que moram nos morros e favelas da minha  cidade?

Links indicados: http://jeckmaluca.blogspot.com/2014/05/sobre-guanabara.html

sexta-feira, 16 de maio de 2014 0 comentários

SOBRE A GUANABARA...


Vejam a cidade maravilhosa
onde helicópteros pairam
a  poucos metros de nossas cabeças
como urubus
O Cristo de bracos abertos
no melódico rata-ta-ta-ta
receptivo das metralhadoras

E BOPE, policia, traficante
La vem a Copa do Mundo
O carioca refém do medo
Eu acordando ao som de tiros
Em toda parte famílias passivas
a violência de sempre

No morro ou no asfalto
paira insegurança
mas e preciso seguir a vida
levar os filhos na escola
trabalhar encenando ter paz
que Paes finge na propaganda.

Enquanto o governador da Rio de Janeiro
com nomes infantis
ou pés de gente grande
anda de blindado e segurança
na gerencia paraíso

Na volta para casa
drible o assalto, bala perdida,
auto preço da alimentação
Especulação imobiliária
O salário de fome, mesadinha,
De um governo que se diz
mãe do  povo

Por Jaqueline Ramiro

quarta-feira, 14 de maio de 2014 1 comentários

NELSON RODRIGUES - Frases



- O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: — o da imaturidade.

- Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.

- Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de "ilustre", de "insigne", de "formidável", qualquer borra-botas.

- A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.

- O brasileiro não está preparado para ser "o maior do mundo" em coisa nenhuma. Ser "o maior do mundo" em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.

- Há na aeromoça a nostalgia de quem vai morrer cedo. Reparem como vê as coisas com a doçura de um último olhar.

- Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.

- O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: — um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.

- Assim como há uma rua Voluntários da Pátria, podia haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.

- Está se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa delicadeza.

- O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.

- A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze, dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há santos, há gênios de todas as idades.

- Outro dia ouvi um pai dizer, radiante: — "Eu vi pílulas anticoncepcionais na bolsa da minha filha de doze anos!". Estava satisfeito, com o olho rútilo. Veja você que paspalhão!

- Em nosso século, o "grande homem" pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta.

- O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.

- Toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.

- Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.

- Chegou às redações a notícia da minha morte. E os bons colegas trataram de fazer a notícia. Se é verdade o que de mim disseram os necrológios, com a generosa abundância de todos os necrológios, sou de fato um bom sujeito.
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QUERER




Não te quero senão porque te quero 
E de querer-te a não querer-te chego 
E de esperar-te quando não te espero 
Passa meu coração do frio ao fogo.

Te quero só porque a ti te quero, 
Te odeio sem fim, e odiando-te rogo, 
E a medida de meu amor viageiro 
É não ver-te e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de janeiro 
Seu raio cruel, meu coração inteiro, 
Roubando-me a chave do sossego.

Nesta história só eu morro 
E morrerei de amor porque te quero, 
Porque te quero, amor, a sangue e a fogo.

PABLO NERUDA
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PARA PENSAR -Confúcio, Shakespeare, Dante Alighieri e outros gênios




A música gera um tipo de prazer sem o qual a natureza humana não pode passar. (Confúcio)

Arte é a tradução do espírito por meio da matéria. (Salvador de Madariaga)

A água corre tranquila quando o rio é fundo. (William Shakespeare)

A natureza é a arte de Deus. (Dante Alighieri)

Quanto mais leis, menos justiça. (Provérbio Alemão)

Deus nos dá as nozes. Mas não as quebra. (Provérbio Alemão)

Todas as pessoas cruéis descrevem-se como modelos de sinceridade. (Tennessee Williams)

O homem é aquilo que sabe. (Francis Bacon)

O homem é, acima de tudo, aquele que cria. (Antoine de Saint-Exupéry)

O segredo da vida está na arte. (Oscar Wilde)

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PAPERMAN


Nossas loucuras são as mais sensatas emoções

Tudo o que fazemos deixamos de lembrança para os que sonham um dia ser como nós




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O MONGE CONFUSO- UMA LIÇÃO DE VIDA

Sei que  a lição de vida aqui é a necessidade de se ter  paciência, mas o que eu entendi desse vídeo é oque o ser humano é muito filho da p...

Coitadinho do bichinho. 


terça-feira, 13 de maio de 2014 0 comentários

NÃO, A VIDA NÃO COMEÇA AOS 40.




Quando o marketing publicitário vira filosofia da vida cotidiana.



Parece uma epidemia. Não paro de ouvir e de ler que “a vida começa aos 40”. A frase não é nova, talvez tenha até uns 40 anos... Hoje, porém, ela parece ter deixado o marketing publicitário para virar filosofia da vida cotidiana. E em bocas que costumam dizer coisas que valem a pena. De uns tempos para cá, atrizes e escritoras interessantes têm repetido esse slogan, depois de passar dos 40. Nesse verão, li várias vezes essa frase em revistas femininas diferentes, ditas por mulheres diferentes, mas incluídas no pacote do “bonita-e-bem-sucedida”... e com mais de 40.

Entendo que a frase é simpática. E bem intencionada. E tenha sido até revolucionária no passado recente. Afinal, mesmo durante boa parte do século XX acreditava-se que a vida acabava aos 40 – a vida das mulheres, pelo menos. Ou, pelo menos, acreditava-se que, depois dos 40, o mais emocionante que uma mulher poderia esperar seriam os netos (que, acredito, sejam mesmo algo bem emocionante). Entendo também que é uma conquista existirem protagonistas de novelas com mais de 40 anos e mulheres em todas as áreas criando depois dos 40. Receio, porém, que estejamos enfiando o nosso pé em uma nova armadilha. E, em vez de uma frase meio marqueteira, meio lugar comum, que se diz aqui e ali quando falta assunto, ao ser levada a sério torne-se uma sentença.

O que significa “a vida começa aos 40”? Fiz uma pequena pesquisa em blogs e revistas e parece que significa o seguinte: a vida começaria aos 40 porque as mulheres ainda estariam bonitas, já seriam donas de uma carreira consolidada e financeiramente estáveis, teriam passado por percalços suficientes para se sentirem mais confiantes e, então, sem as pressões e inseguranças dos 20 e até dos 30, estariam mais livres para inventar novos rumos para suas vidas – e novos rumos que estariam mais próximos de seus desejos.

Significava também que, aos 40, as mulheres já estariam com os filhos crescidos e, portanto, teriam superado certo peso da maternidade. Mas acho que essa parte do pacote já perdeu força, na medida em que hoje muitas mulheres estão justamente tentando engravidar ou com filhos pequenos ao completar 40 anos. Nesse sentido, o mais correto a afirmar nesses dias é que, em muitos casos, a vida dos filhos começa quando suas mães têm 40 anos. E acho que este é um bom tema para outro momento.

Por que eu desconfio da afirmação de que “a vida começa aos 40”? Primeiro, porque nela está implícito que existe uma espécie de “vida de verdade”, enquanto a outra, a que veio antes, seria uma vida menor. Eu acho que é preciso ter medo, muito medo, da tal da “vida de verdade”.

Seja aos 40 ou em qualquer idade, a tal da “vida de verdade” é fonte de muito sofrimento desnecessário. Ela coloca nossas vidas imperfeitas – e tudo e todos que dela fazem parte – como sendo sempre insuficientes diante de alguma outra vida imaginária. Ou nos instala no modo de espera de algo extraordinário que ainda vai acontecer e nos arrancar do que interpretamos como uma mesmice aquém do que merecemos. A “vida de verdade” é uma grande mentira. E a história de que “a vida começa aos 40” a reforça. Nesse ritmo, talvez a vida não comece nunca. E acho que há gente demais – mulheres e homens – vivendo à espera de que a vida comece, sem reparar que ela já vai pelo meio.

Se formos levar na literalidade da letra que a vida começa aos 40, seria muito triste. Seria mesmo desesperador. Se, ao alcançar os 40 uma mulher chegasse à conclusão de que o que se passou antes foi apenas um preâmbulo para uma vida – e não a vida em si, com toda a sua quantidade de drama e de nadas – haveria um motivo bastante legítimo para se matar aos 40. Afinal, o que foi que você fez antes se não era vida o que estava acontecendo?

Mas, digamos que essa mulher hipotética seja intrépida o suficiente para pensar: “Oquei, tudo o que veio antes foi tempo perdido, ou apenas uma preparação para o que está por vir, mas agora a vida de verdade começa”. Nesse caso, ela também chegaria à conclusão de que seria uma existência muito curta. Com a expectativa de vida de 77 anos, segundo o último censo do IBGE, as brasileiras teriam aí, em média, uns 37 anos pela frente.

Nesses 37 anos, mesmo que essa mulher seja saudável como uma vaca de leilão, teria de lidar com problemas de saúde aqui e ali, depois aqui, ali e em toda parte. Teria de lidar com as letras que vão diminuindo de tamanho bem diante dos seus olhos. Teria de lidar com a perda progressiva da juventude. E teria de lidar com a velhice dos pais, com a sua própria, e também com a morte daqueles a quem ama. É muita coisa para lidar, não? Se além de tudo isso a vida estiver começando... coitadas de nós.

Ao defender que “a vida começa aos 40”, portanto, estamos nos lançando em um paradoxo lógico: “a vida começaria no mesmo momento em que chega à metade”. E não a qualquer metade, mas a uma metade que envolve declínio físico, perdas inescapáveis e termina em morte. Parece deprimente? Seria, se fosse só isso, mas há também muitas possibilidades interessantes em curso, se tivermos aprendido algo em algum momento anterior. Triste? Algumas vezes muito triste, com certeza, mas também engraçada, se já conseguirmos rir de nós mesmas, e com um monte de coisas para inventar e para experimentar – e outras que só nos resta aceitar. É a vida, com sua mistura de tragédia e de comédia e um bocado de espaços vazios e de repetições.

Despida de seu conteúdo revolucionário, que fazia sentido em décadas passadas, mas hoje não me parece que faça mais, a máxima de que “a vida começa aos 40” pode se tornar uma autossabotagem. Temos medo, quando chegamos aos 40, porque uma metade da vida já passou – e justamente a metade em que éramos jovens. Para as mulheres é de certo modo mais difícil porque a exigência de que pareçamos jovens é maior. E por causa dela muitas se lançam aos bisturis para adiar o inevitável, nem sempre com resultados satisfatórios. Sem falar nas injeções na testa, que de piada viraram coisa séria e dispendiosa desde a invenção do botox. Mas não acho que transformar nosso medo em autoafirmação seja uma boa ideia. Tipo: “Ah, que maravilha, cheguei aos 40 anos e agora começa a melhor época da minha vida!”. Soa meio bobo, não? Não é possível que 40 anos de vida não tenha nos permitido dizer algo mais instigante.

É preciso que a vida antes dos 40 tenha sido bem ruim para que o que venha depois seja tão melhor assim a ponto de se tornar a vida inteira. Se não foi tão ruim antes dos 40, também não é preciso temer que seja tão pior depois, a ponto de se tornar necessário gritar em público que os 40 estão sendo uma libertação ou uma epifania ou a abertura de “2001, uma odisseia no espaço”.
Como tudo nesse nosso mundo de mercadorias, o conteúdo revolucionário de ontem virou propaganda de hoje para nos vender um montão de produtos. E seria legítimo esperar que pelo menos nisso soasse algum tipo de sirene, já que a maior parte do que tentam nos vender nessa faixa etária onde “a vida começa” seja justamente rejuvenescimento. Contraditório, não? Acreditar que publicidade é filosofia, este é um passo que não precisamos dar.

Fico aqui pensando se não há também certa dose de vingança contra as mais jovens nessas reafirmações constantes da força da mulher dos 40 e dos 50 e além. Algo como: “Vocês têm juventude, corpinho e possibilidades, mas a vida de vocês não tem nenhum significado. A vida de verdade começa aos 40”. Ora, todas nós tivemos 20, e todas as que têm 20 hoje terão 40 e, com sorte, um dia passarão dos 70. Foi importante para mim aos 20 e depois aos 30 saber que existiam mulheres interessantes, criando vidas interessantes, depois dos 40, dos 50 e além. Hoje, perto de completar 46 anos, sonho em chegar aos 80 com uma vida tão significativa como a de Fernanda Montenegro ou como a de uma parteira chamada Jovelina que conheci numa reportagem no Amapá. Mas ao meu próprio modo.

Agora, se essas mulheres que criam coisas interessantes e por isso ganham espaço na mídia e por isso se tornam formadoras de opinião e por isso se tornam perfeitas não para si mesmas, mas para os anunciantes, tivessem feito pouco caso da minha vida de 20 para afirmar a sua de 40, 50 ou além, eu teria ficado muito decepcionada. Não por acreditar nelas, mas por não poder acreditar nelas.

A vida é o que temos e o que fazemos dela, com um pouco de tudo, em qualquer idade. Aos 40, percebemos que começamos a envelhecer. Não acho que devemos negar isso, mesmo porque não adianta. O que vamos dizer aos 50 ou aos 60? Que a vida começa de novo? Ué, mas ela não tinha começado aos 40? E aos 70, 80 ou 90, vamos “descobrir” que a vida começa no fim?
Não existe “vida de verdade” – só existe vida, que é o que está acontecendo agora, seja lá o que for. Acho que vale mais a pena aceitar que envelhecemos e descobrir um jeito de viver com isso. Não começando, mas continuando a criar a melhor vida possível, a melhor vida possível com os limites de cada uma, do jeito de cada uma. E com uma grande dose de generosidade com as nossas atrapalhações – e também com as de quem amamos –seja aos 20, aos 40 ou aos 70.

De minha parte, aos 20 anos eu estava tropeçando nos meus próprios pés e me perguntando o que e quem sou eu. Aos 40 e poucos continuo tropeçando nos meus próprios pés e me perguntando quem e o que sou eu. Não que não tenha descoberto e trilhado algumas pistas, mas é que elas vão se multiplicando e se alargando no percurso. O tempo escasseia, mas o número de perguntas aumenta, o que é um tanto ingrato.

Aos 20 anos, eu não sabia se queria ser jornalista ou bióloga ou garçonete em Amsterdã ou me matar. Aos 40 e poucos eu me confundo com escolhas mais subjetivas, algumas não consigo nem mesmo nomear. E me preocupo muito em não ser uma coisa só, como um daqueles gênios presos em uma garrafa que só realizam o desejo dos outros. Me esforço então para desfazer rótulos sobre mim mesma – e faço caretas para não ficar cristalizada em uma só imagem no espelho, o privado e o público. Nesse momento da vida, como já escrevi aqui, a gente pode descobrir que é tão importante se desinventar como foi um dia se inventar. Mas imagino que, bem perto da morte, ainda vou estar tropeçando em pés com joanetes e pensando: o que e quem sou eu?

Tenho uma amiga dez anos mais velha para quem pergunto todo ano, só para sacanear: Você ficou mais sábia? “Não”, ela sempre responde, “mas estou com uma ruga enorme na testa”. Eu também não fiquei, digo. Mas acho que ficamos ambas, porque rimos disso. Depois dos 40, o que posso afirmar é que a vida, pelo menos para mim, não começou.

Continuei perdida, assaltada por perguntas e duvidando das respostas.
Mas comecei a entender que esta é uma boa notícia.

ELIANE BRUM
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CADÊ A PESSOA?



Minha amiga B, os russos, a vida pública e um pato de borracha.


“Eu não acho, não acho”. A voz aflita de B no celular me alarma. Há meses eu só uso o aparelho para pegar recados ou ligar para amigos com a mesma operadora. Mas, por esquecimento, ele estava ligado, e o nome dela apareceu na tela, junto com o toque de urgência que me faz detestar celulares. Atendi. E, desta vez, era uma urgência. Passei muito tempo sem ver B, anos, e um dia, neste último fevereiro, nos encontramos em um curso de literatura russa. Isaac Bábel, mais especificamente, nos uniu de novo. “O que você não acha?”, perguntei, com certa precaução na voz. B é talvez mais intensa do que eu e está sempre às voltas com dilemas que não estão nos jornais. “A pessoa”, ela disse. “Eu não acho a pessoa.”
Fui na hora tomada por uma golfada de felicidade. Ela não estava aflita porque perdera o informe do imposto de renda enviado pelo banco, ou seus brincos de pérola, ou um vinil dos Secos & Molhados. Não. B perdera a pessoa.

 “Hum”, fiz eu, em boa performance psicanalítica. B explicou-me então que não sabia quando perdera a pessoa, mas podia localizar o momento exato em que descobrira que a tinha perdido. Ela tomava um chocolate quente e tentava ler as notícias do jornal. O Cachoeira, o Demóstenes, a mulher amantíssima do Cachoeira, a votação das cotas raciais no Supremo, a popularidade da Dilma, o Código Florestal...
 Neste ponto da leitura, B havia corrido ao Twitter para entrar na campanha “Veta Dilma. Veta Tudo”. Engatou alguns diálogos de 140 caracteres com desconhecidos conhecidos, deu alguns cliques e, quando voltou a tomar um gole de chocolate, percebeu que o leite esfriara. Foi nesse instante, me garantiu ela, que descobriu que tinha perdido a pessoa.
B tinha acabado de ler um conto e um romance russos. O famoso “A dama do cachorrinho”, de Tchekhov, e o “Oblómov”, de Ivan Gontcharov. A combinação dos dois fez com que uma lâmpada se acendesse dentro de B – e, de súbito, ela descobriu o que não estava mais lá. A pessoa.
Em “A Dama do Cachorrinho”, Tchekhov nos mostra, através de uma história de amor, que temos duas vidas: uma visível, assumida, às claras; e outra secreta. Uma “evidente”, “cheia de verdades convencionais e de mentiras convencionais”, exatamente igual a de todos; e outra que transcorre nos vãos.
No caso do personagem de Tchekhov, tudo o que era para ele indispensável, relevante e sincero, tudo o que não era engano, se passava no escuro de si. E tudo o que era “sua mentira, sua casca, na qual ele se escondia para encobrir a verdade”, como seu trabalho no banco, as discussões no clube, os compromissos sociais com a esposa, tudo isso era visto e compreendido como se fosse ele – mas era apenas aquilo que o ocultava.
Neste ponto, B começou a chorar. “Não vale a pena ter uma vida em que o mais importante de mim precise respirar nas sombras”, dizia. “Meus eus devem coincidir.” Havia uma nota tão rascante em seu choro, como uma porta enferrujada por anos que começa a se abrir à força.“Você é tudo isso”, eu disse, numa tentativa de consolo. “Inclusive essa máscara social que você usa para que o mundo não te mastigue.”

B apenas chorou mais. “Você não está entendendo. Eu não estou recusando o contraditório de mim. Eu estou recusando essa máscara que me torna alguém plano e palatável. Vale a pena viver escondendo as verdades que mais me importam?” B agora tinha raiva, e apontava essa raiva para mim. Ela continuou: “Se o mundo quiser me mastigar, que mastigue. Mastigará carne, e não um cupcake.” Desta vez, eu apenas disse: “Estou indo praí”.
Encontrei B estatelada no sofá, olhando para o teto. O rosto inchado de choro, mas já com o peito subindo e descendocom regularidade. Eu não havia lido o “Oblómov”, porque nunca encontrei uma tradução para o português que me animasse. Mas sabia que era uma sátira sobre a imobilidade da aristocracia russa em meados do século XIX, diante dos acontecimentos que precederam e anunciaram a revolução de 1917.

Não para B.
Durante mais ou menos 150 páginas de romance, Oblómov não sai do seu sofá. Incapaz de agir e de escolher, o personagem se imobiliza. Como B, no momento em que me conta sobre ele. Oblómov recebe visitas de pessoas que representam diferentes papéis no espectro da sociedade da época. E, quando essas pessoas lhe contam do mundo, lhe contam do mundo por suas ações e pelas ações de outros, Oblómov só faz pensar: “Cadê a pessoa?”.
Pensei que B estava adivinhando sentidos no romance que só faziam sentido em seu estado delirante. Mas, dois dias depois do enigmático telefonema de B, eu me distraía com um livro bastante delicioso chamado “Os possessos – aventuras com os livros russos e seus leitores” (Leya), quando descobri que a autora, Elif Batuman, tinha lido “Oblómov” com um olhar muito semelhante ao de B.

Em seu livro, Batuman, uma americana de origem turca que hoje vive em Istambul, entrelaça os escritores russos e seus protagonistas com os personagens contemporâneos do mundo acadêmico que inventam sentidos para suas vidas a partir da interpretação de suas obras. E o faz com humor, sensibilidade e sarcasmo. Sorri ao pensar que B e eu também cometíamos um pequeno enredo desatinado, às voltas com os russos que nos uniram por acaso depois de tanto tempo.

Batuman afirma, em um dos ensaios do livro: “Vejo agora que o problema da pessoa era a chave da preguiça de Oblómov. Ele é tão avesso a se reduzir a soma das ações que decide sistematicamente não agir– e desse modo revelar mais inteiramente sua verdadeira pessoa, e deleitar-se nela, não adulterado”. Publicado em 1859, “Oblómov” quase coincide, no tempo, com a obra-maravilha do americanoHerman Melville: “Bartleby, o escriturário”, livro que faz parte dos meus amores mais profundos. Como Oblómov, mas diferente dele, Bartleby a tudo apenas dizia: “Prefiro não fazer”.

Assim é descrita uma das visitas recebidas por Oblómov em seu já mítico sofá. “Um antigo colega do serviço público conta a Oblómov da sua recente promoção a chefe de seção, seus novos privilégios e responsabilidades. ‘Com o tempo ele será um figurão e conseguirá um alto posto’, Oblómov pondera. ‘Isso é o que a gente chama de uma carreira! Mas como requer pouco da pessoa: sua mente, seu desejo, suas emoções não são necessárias.’ Esticando os membros, Oblómov sente-se orgulhoso por não ter relatórios a preencher e pelo fato de ali no sofá ‘haver amplo espaço tanto para as suas emoções como para a sua imaginação’. ”

Um século e meio mais tarde, B, no sofá da sala de seu apartamento de classe média paulistana, encarna Oblómov à sua própria maneira: “Cadê a pessoa?”. Ou: “Perdi a pessoa!”. B conta-me que se sente exposta, toda virada pra fora, uma mulher em seu avesso. Nos últimos anos ela se tornara uma personagem das redes sociais. E , desde que nos reencontramos, tenta me convencer a entrar no Facebook. B gosta de viver em rede e está longe de ser uma solitária que achou um jeito de existir na internet. Apenas que ela pensara ter se feito presente ali mais do que em qualquer outra geografia. Mas, de repente, B não mais se reconhece no personagem que criou. “Virei uma prisioneira”, ela diz. “Do quê?”, pergunto eu, a essa altura já bastante perturbada. “Dessa persona pública que me tornei. Todo mundo me conhece, e eu me desconheço.”

B descobrira que era uma pessoa – sem pessoa. “Estou reduzida a ações, a verbos. Virei um noticiário, eu, que nunca acreditei em fatos. Mesmo quando analiso, quando infiro, quando relaciono... são ações. É um eco, só um eco. Não sei mais onde está a voz que o gerou.” Diante dela, eu tentava descobrir a pessoa em mim que poderia resgatar a pessoa de B. Aquilo que me levara a deixar a minha casa no meio de uma manhã de trabalho para ajudá-la a procurar não o passaporte ou o título de eleitor, mas a pessoa que havia se desgarrado dela. Encolhi-me na poltrona, antes de arriscar. “Ninguém te conhece. E você não conhece ninguém”, disse. E minha voz saiu mais aguda do que eu planejara. “São poucos os que podem nos conhecer, o resto é o bando que se alimenta e se protege mutuamente, ferindo quem for preciso para não ter sua posição ameaçada. Você quer ofertar seu corpo verdadeiro para que o canibalizem?”
Eu também estava confusa. “Há uma escuridão, e eu sou essa escuridão”,repetia B. “E lá, em algum ponto desse buraco negro, há uma pessoa que grita, mas ela está presa na nuvem. A conexão se perdeu, eu me perdi.” Percebi que B, minha amiga mais presente, no presente, a mais pública, a mais conectada sentia-se incorpórea. Sentia-se uma pessoa sem pessoa – e também sem corpo.

Quando juntas estudávamos a obra de Isaac Bábel, eu e B havíamos chorado ao tomarmos conhecimento da lista dos pertences encontrados no apartamento do escritor, em Moscou. Bábel fora preso pela polícia de Stálin. Seus manuscritos foram confiscados, seu nome apagado de enciclopédias, dicionários literários e roteiros de cinema, seus óculos quebrados, seu corpo torturado e, até ser executado por um pelotão de fuzilamento, tudo o que ele pedia era: “Deixem-me concluir minha obra”. Os manuscritos de Bábel desapareceram, e ele será sempre um homem inconcluso – como todos nós e, de certo modo, mais que todos. Mas o que fez eu e B nos comovermos para além da brutalidade do regime de Stálin, que executara também as letras de Bábel,foi descobrir no espólio do escritor“um pato de banho”.

Se a pessoa de Bábel estava em algum lugar, pensei, era naquele pato de borracha. Sem saber o que fazer, lançada na claridade pela lucidez excessiva de B, agarrei forte a sua mão. Agarrei para machucar, para que B sentisse as minhas unhas. Eu sabia que, se a “pessoa” de nós estava em algum lugar, era naquele toque que nos impedia de submergir no que o personagem de Tchekhov chamou de “verdades convencionais e mentiras convencionais”.

Não me parece que B seja a única a vagar por aí gritando: “Cadê a pessoa?”. Por isso pedi a ela autorização para contar da sua perda a vocês. B a deu na hora. Mas quando lhe perguntei se poderia colocar seu nome, ela negou com veemência: “Se você revelar meu nome, eu perderei a pessoa para sempre. A pessoa está fora do nome”.

ELIANE BRUM 
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A PRIMEIRA MORTE



A pequena tragédia de um homem comum
diante do exame de colesterol.


A notícia veio em um exame de rotina, aberto na página do laboratório na internet enquanto tomava um chocolate quente. Na verdade, leite com um chocolate em pó cheio de porcarias que ele toma desde a infância e, por isso, aos 43 anos, é uma fonte de alegria permanente na prateleira da cozinha. Quando bateu na minha porta, os olhos escancarados, avisando que tinha uma má notícia, eu pensei logo em câncer. No nosso tempo, é o que a gente sempre pensa, mesmo que não diga. “Meu colesterol está alto”, ele disse. “Muito acima do péssimo.” Amoleci inteira e até esbocei um sorriso. “Ah, mas isso não é tão grave.” Mas era. Eu não fui capaz de perceber logo, mas era a primeira morte de meu melhor amigo.

Não era uma doença incurável, não era um drama humanitário, não era nada que alterasse a ordem do mundo. Era só a pequena tragédia dele. Comezinha e cotidiana. A tragédia de um homem comum, com uma vida comum, que sentia a primeira fisgada do fim.

No percurso de uma vida, quando temos a sorte de ter uma existência longa, passamos por várias pequenas mortes e renascimentos. É importante que partes de nós morram para que outras possam nascer – ou apenas para que esses pedaços mofados de nossas crenças sobre nós ou da crença de outros sobre nós saiam do caminho. É triste quando alguém é uma coisa só a vida toda – perdendo a chance de acolher todos os outros de si. Quando alguém anda pela vida apertado em uma roupa que nunca lhe serviu direito, mas que foi vestida nele ou nela por seus pais ainda na infância, como se fosse o único modelo que lhe coubesse.

É importante que, em algum momento, de preferência mais cedo do que tarde, a gente descubra que essa roupa não serve – ou que apenas algumas partes servem e outras precisam ser jogadas fora, para que novas possam ser inventadas. É essencial que nos libertemos dos dogmas impingidos sobre nós para podermos criar uma vida que faça mais sentido – e para nos sentirmos livres para recriá-la o tempo todo. O olhar do outro sobre nós, a começar pelo dos nossos pais, às vezes é redenção, em outras é prisão, em geral é ambos.
Por isso me parece que uma vida é mais rica quando morremos e renascemos muitas vezes. Mas esta é a existência psíquica, é o que se passa em nossas porções invisíveis, naquela parte da nossa geografia que não se pode tocar com as mãos. Poucas coisas ou nenhuma são mais assustadoras do que ousar se libertar de um jeito de ser cujo funcionamento conhecemos. Porque ainda que esse jeito nos sequestre o desejo, nos parece mais seguro do que enfrentar o vazio de descobrir formas de viver mais próximas de nossos anseios. Mas, se tivermos essa coragem que anda de mãos agarradas com o medo, nós nos responsabilizamos pelas nossas escolhas, seguimos e criamos e morremos e renascemos. Muitas vezes.

Em algum momento, porém, o corpo anuncia uma morte da qual não é possível renascer. A rigor, começamos a morrer desde o nascimento. De fato, nosso declínio físico começa aos 20 e poucos anos, mas esses sinais podem ser ignorados. E são. Por volta dos 40 – um pouco depois, para quem tem mais sorte, um pouco antes, para quem tem mais azar –, recebemos a notícia da primeira morte que não podemos ignorar. A primeira morte do corpo.
Foi o que aconteceu com meu melhor amigo. Para não morrer nos próximos anos de enfarte ou AVC por causa das artérias entupidas de gordura, ele matou com um só golpe um mundo inteiro dentro de si. Não é uma mera mudança de hábitos, como médicos e nutricionistas tentam nos convencer em consultas, reportagens e sites da internet. É um mundo inteiro que se extingue como se o Sol explodisse de repente, muito antes dos bilhões de anos calculados pelos astrônomos. Para quem vive nesse planeta, é uma hecatombe. Para a imensidão do universo, é um nada, estrelas morrem o tempo todo sem que a ordem da vida dos outros se altere. 

Para o planeta humano que é meu melhor amigo, foi uma hecatombe. Acabaram-se as feijoadas, o churrasco, a pizza, o hambúrguer, a batata frita, os pastéis, os bolos, os bolinhos, as tortas, os chocolates. Mas não só. Encerrou-se a possibilidade de renovar a qualquer momento a memória de uma vida de afetos: a receita de bacalhau da mãe que morreu, a torta de morangos que só a sogra sabe fazer, o feijão gordo que a mulher prepara toda quinta-feira e havia se tornado um acontecimento, a noite com o amigo de infância recheada de cumplicidade, chope e frituras.

Acabou-se a possibilidade de degustar territórios ainda não desbravados. As experiências gastronômicas com um amigo chefe de cozinha. O acesso às dores de alma e as alegrias de outros povos e terras através da comida, dos ingredientes e dos temperos, que o instigavam a jamais perder nenhuma chance de viajar. Suas próprias invenções com as panelas que reuniam os mais próximos em alegres descobertas na mesa da cozinha. Agora, ele terá de recusar pratos em almoços e jantares – e será um problema na cozinha alheia. 
Um mundo dentro do mundo morreu em um segundo. E a notícia dessa morte o lembra o tempo todo de que é só a primeira das muitas que virão. “Tenho medo de morrer de repente”, ele diz. Porque sente que uma parte dele teve morte súbita tendo ele mesmo por testemunha. “Eu não fumo, não uso drogas, só bebo em ocasiões especiais”, ele diz, traído. Eu quase digo: “A vida não dá garantias”, mas me contenho a tempo. 

Sei que dentro dele toca o réquiem de Verdi, dramático e grandiloquente, mas só ele escuta. Porque sua tragédia é prosaica, acontece com muitos, não é notícia nem na família. Ele é só mais um homem diante do parapeito da ponte – sem vontade de atirar-se dali, mas apavorado porque um dia vai estar lá embaixo.

Pesquisamos juntos na internet, tentamos inventar receitas, descobrir novos ingredientes, criar um mundo novo dentro do universo restrito ao qual ele foi confinado. Cheiramos desconfiados uma linguiça de soja, passamos retos pela manteiga, enchemos o carrinho de coisas verdes. Depois vamos ao cinema para esquecer seu pequeno drama diante da grandeza do drama maior de um outro, mas quando estaqueamos diante da pipoca, o luto desce sobre ele, inexorável. Sabemos que é preciso aceitar essa morte, assim como todas que virão, com o excesso de perdas que ela contém. Em geral não se morre de uma vez só, mas aos poucos. E é o corpo que nos ensina a brutalidade dessa verdade.

O colesterol não encolheu apenas a largura das artérias de meu melhor amigo, mas também a largura da sua vida. Ele sabe que não pode escapar dos limites impostos pelo corpo. Pode, como todos nós, no máximo adiá-los. No exame do laboratório o tal do LDL avisa que a juventude, aquele tempo no qual era possível fingir que não havia limites, acabou. Mas a gordura que entulha as artérias de meu melhor amigo não lhe obstrui o espírito. Porque morreu e nasceu muitas vezes ao longo de seus 43 anos, há nele uma vida dentro da vida que se amplia também nesse choque com os limites. Enquanto o corpo falha, sua mente recolhe suas lágrimas, sua surpresa e sua dor e os transforma em uma experiência a mais. 

Sempre foi assim, afinal. É no confronto com a miséria da condição humana que produzimos o melhor do humano. Condenados eternamente ao fracasso de nosso embate com a morte, inventamos essa vida dentro da vida. Que, se tivermos a ousadia de morrer e nascer várias vezes no espaço de uma existência, será uma vida maior que a vida.

Não tenho dúvidas de que meu melhor amigo seguirá suspirando de saudades de uma picanha gorda ou de um feijão com costelinha de porco. Mas, nesse último final de semana, ele já havia colado um cartaz patético na cozinha, com imagens suas de a.C. e d.C. – “C” não de Cristo, mas de colesterol. Estava entrouxado de roupas porque acreditava que os 100 gramas que tinha perdido desde que abriu o exame tornaram-no “mais friorento”. E tentava inventar uma maionese caseira sem ovos nem óleo.

Soube então que estava salvo. Não do colesterol, mas de algo muito pior: uma vida pequena.

ELIANE BRUM
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10 FATOS EXTRAORDINÁRIOS SOBRE OS SONHOS



O sonho parece ser mais do que uma simples experiência de imaginação do inconsciente durante nosso período de sono. Recentemente, descobriu-se que até os bebês no útero têm sono REM (movimentos rápidos dos olhos) e sonham, não se sabe com o quê.
Veja estes 10 extraordinários fatos sobre os nossos sonhos:

10. OS CEGOS TAMBÉM SONHAM
Pessoas que ficam cegas depois do nascimento podem ver imagens durante os sonhos. As pessoas que nascem cegas não enxergam nada, mas possuem sonhos igualmente vívidos envolvendo seus outros sentidos: audição, olfato, tato e suas emoções. É difícil para pessoas que enxergam imaginar, mas o a necessidade dos sonhos para o corpo é tão forte que os cegos podem virtualmente manipular todas as situações com as quais sonham. » 5 Passos para parar de fumar definitivamente

9. VOCÊ ESQUECE 90% DOS SEUS SONHOS
Depois de cinco minutos acordados a metade do sonho já foi esquecido. Em 10m, 90% já se foi. O famoso poeta Samuel Taylor Coleridge acordou uma manhã depois de ter um fantástico sonho (possivelmente induzido pelo ópio) e começou a descrever seu “visão em um sonho”, que é um dos poemas ingleses mais famosos: Kubla Khan. Depois de haver escrito 54 linhas ele foi interrompido por um visitante indesejado. Samuel retornou ao seu poema, mas não pode lembrar o resto de seu sonho. O poema nunca foi concluído.
Curiosamente o autor Robert Stecenson inventou a história do Doutor Jeckyll e Sr. Hyde enquanto estava dormindo. Frankenstein, de Mary Shelley, também foi filho de um sonho da autora.

8. TODO MUNDO SONHA
Com exceção de algumas pessoas com distúrbios psicológicos extremos todo o restante de nós sonha. Homens tendem a sonhar mais com outros homens, enquanto a mulher tende a sonhar igualmente com pessoas de ambos sexos. Ambos experimentam reações físicas aos seus sonhos não importando se ele tenha ou não natureza sexual; homens têm ereções e nas mulheres aumenta o fluxo sanguíneo vaginal.

7. OS SONHOS PREVINEM PSICOSE
Em um estudo recente sobre o sono, estudantes que foram acordados no início de cada sonho, mas mesmo assim puderam dormir suas oito horas de sono. Todos experimentaram dificuldades de concentração, irritabilidade, alucinações e sinais de psicose depois de apenas três dias. Quando eles finalmente foram autorizados a dormir durante o sono REM (Rapid Eyes Movement em inglês ou movimento rápido dos olhos; é o sinal fisiológico de que começamos a sonhar durante o sono), seus cérebros compensaram o tempo perdido aumentando muito o percentual de sono realizado no estagio REM.

6. NÓS SONHAMOS APENAS SOBRE O QUE CONHECEMOS
Nossos sonhos são frequentemente cheios de pessoas estranhas que desempenham certos papéis. Você sabia que a sua mente não está inventando estas faces? Elas são rostos reais de pessoas que você viu durante a sua vida, mas pode não se recordar. O algoz de seu último pesadelo pode ter sido o caixa da padaria em que o seu pai comprava pão quando você era criança. Como todos vemos centenas de milhares de rostos por dia é possível que tenhamos um suprimento infindável de personagens que nossa mente por utilizar durante os sonhos.

5. NEM TODOS SONHAM EM CORES
Existem pessoas com visão normal (12%) que sonham exclusivamente em preto e branco. O restante sonha em cores. Há também temas comuns para os sonhos, que são situações relacionadas à escola, ser perseguido, tentar correr e mesmo assim se mover vagarosamente, experiência sexuais, cair, atrasar-se, uma pessoa viva atualmente estar morta, dentes caindo, voar, reprovar em um exame ou acidente de carro. É desconhecido se o impacto de um sonho relacionado a violência ou morte é mais emocionalmente carregado para a pessoa que sonha em cores ou para as que sonham em preto e branco.

4. OS SONHOS NÃO SÃO SOBRE O ASSUNTO QUE PARECEM TRATAR
Se você sonha sobre algum assunto em particular não é comum que o sonho seja realmente sobre isso. Os sonhos nos falam em uma linguagem profundamente simbólica. A mente consciente tenta comparar seu sonho a outra situação ou coisa similar. É como uma analogia em uma poesia que diz que as formigas são como máquinas que nunca param. Em um sonho você nunca compara algo com esse mesmo algo, assim como na poesia, por exemplo: “Aquele belo pôr-do-sol era como um belo pôr-do-sol”. Portanto seja qual for o símbolo que o seu sonho escolha é muito improvável que o propósito do sonho seja o símbolo em si.

3. QUEM PÁRA DE FUMAR TEM SONHOS MAIS VÍVIDOS
Os tabagistas que fumaram por muito tempo e pararam reportaram mais sonhos vívidos do que eles normalmente teriam. Em adição, de acordo com a revista científica Journal of Abnormal Psychology “entre 293 fumantes que se abstiveram entre uma e quatro semanas, 33% disseram que tiveram ao menos um sonho sobre fumar. Na maioria dos sonhos as pessoas se flagravam fumando e sentiam fortes emoções negativas como pânico e culpa. Sonhos sobre fumar foram o resultado do fato da desistência ao cigarro, pois 97% dos voluntários não os tinham enquanto fumavam e sua ocorrência foi relacionada significativamente ao período de abstinência. Eles foram relatados como mais vívidos do que os sonhos normais e são tão comuns como os grandes sintomas de abstinência ao tabaco”.

2. ESTÍMULOS EXTERNOS INVADEM NOSSOS SONHOS

Isso é chamado de Incorporação ao Sonho e é a experiência em que a maioria de nós tem um som do mundo real ouvido em nosso sonho e incorporada de alguma maneira. Um exemplo similar ocorre quando você sente sede ou vontade de urinar no mundo real enquanto dorme e isto é transportado para o sonho. A maioria das crianças, já grandes, urinam na cama por causa de incorporação: estão com a bexiga cheia, sonham que estão apertados e urinam no sonho ao mesmo tempo em que molham a cama. Pessoas com sede durante o sono relataram tomar copos de água dentro do sonho para, minutos depois, ficar com sede e tomar outro copo. O ciclo se repete até o momento que este que a pessoa acorda.

A famosa pintura acima de Salvador Dali explica exatamente este conceito. O seu nome é “Sonho Causado Pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo Antes de Acordar”.


1. VOCÊ ESTÁ PARALISADO DURANTE O SONHO
Acredite ou não o seu corpo está virtualmente paralisado durante o sono. Isso ocorre possivelmente para preveni-lo de atuar aspectos dos seus sonhos. Durante o sono há glândulas que secretam um hormônio que ajuda a induzir o sono e os neurônios enviam sinais à coluna vertebral que causam o relaxamento do corpo e em seguida a pessoa fica essencialmente paralisada.

FATOS EXTRAS:
* Você não sonha enquanto ronca;
* As crianças não sonham sobre si mesmas até aproximadamente os três anos. À partir desta idade as crianças tem muito mais pesadelos do que os adultos até completar 7 ou 8 anos;
* Se você for acordado durante o sono REM você tem mais chances de lembrar seu sonho mais vividamente do que quando você acorda pela manhã;
* Não existe evidência científica que confirme o mito de que acordar um sonâmbulo possa matá-lo;
* Há pessoas que sofrem de sonhos recorrentes. É um sonho que surge repetidamente durante longos períodos de tempo, até anos. Geralmente possui aspectos de pesadelo e pode ser causado por estresse pós-traumático.

Por Alessandra Nogueira
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LIXO E LUXO



Por que cargas d'água uma grande empreiteira, com obras milionárias em todo o Brasil, especializada em construção civil e sem nenhum know how ou experiência no ramo, vai se interessar em recolher o lixo de uma cidade? Por que tanta voracidade para abocanhar um trabalho tão sujo? Claro, feito pelos lixeiros e varredores que eles alugam para as prefeituras e limpam a sujeira alheia. Ganhar o contrato é o trabalho deles, sujo também, mas os lixos são diferentes: um é físico, o outro moral.

Nos contratos da Delta para limpar Brasília e Anápolis, nas sujeiras da coleta de lixo em Santo André que podem ter levado ao assassinato do prefeito Celso Daniel, nos rolos da Leão & Leão com a Prefeitura de Ribeirão Preto na administração de Palocci, o metafórico se mistura ao explícito e se espalha, pestilento e insalubre, pelas prefeituras do Brasil. Paradoxal e ironicamente, há cada vez mais sujeira na limpeza pública, com o lixo urbano pagando o luxo mundano de empresários, políticos e funcionários. Mas só Freud pode explicar por que, com tantas formas mais fáceis de roubar dinheiro público, como obras, aditivos e convênios, a opção preferencial deles, a atração fatal, é logo pelo lixo.

Não por acaso, durante décadas, tanto em prefeituras democratas como republicanas, a coleta do lixo de Nova York foi um monopólio da máfia. Em 2011, na Itália, um confronto entre a Camorra napolitana e o Estado deixou montanhas de lixo apodrecendo durante meses nas ruas de Nápoles, em imagens fétidas que correram o mundo.

Falando em lixo, há um bom tempo não se via uma novela tão boa como Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro, que tem um de seus principais núcleos no mundo dos lixões, com os que vivem dos restos e dejetos da sociedade consumista em contraste com uma nova classe popular que começa a consumir.

Entre o lixo material que os catadores vendem para viver e o lixo moral que a sociedade rejeita para conviver, a novela recicla e atualiza ancestrais paixões humanas no dilema da protagonista: viver o luxo do grande amor, ou o lixo da grande vingança.

NELSON MOTTA 

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O ESTOJO DE UM SEGREDO





Ela chega à cidade estranha. Hotel, ficha, a chave que continua chamando chave mas é cartão, o quarto, diferente e ainda assim igual a tantos outros quartos de tantos outros hotéis. Não liga a televisão, é amiga do silêncio. Senta-se na cama, confere o relógio. Dispõe ainda de algum tempo. Deita-se. Sente nojo daquela colcha coletiva. Levanta-se, vai à janela.

Prédios altos, prédios baixos, sobrados. Abaixo, nas ruas, fervilha um comércio sem luxo. O peitoril da janela ainda está morno de sol, o olhar dela busca entre janelas e telhados uma razão para olhar, desliza lento, e para em um terraço.

Nem bem terraço. Topo de um prédio de seis andares, maltratado, de muitos pequenos apartamentos. Ela pensa “terraço” porque tem muretas altas e piso em lajes de cimento. Vê um tanque de lavar roupa a um canto, debaixo de um telhadinho, e uma porta, certamente acesso à escada. Tudo cinza.

Súbito, oculto que estava ao olhar pela mureta, emerge daquele cinza um longo pescoço branco, emplumado e ondulante. Um cisne! exclama o pensamento dela. Mas a cabeça que encima aquele pescoço se volta e ela vê, não é cisne, é ganso. Um ganso sozinho no alto de um terraço, no topo de um prédio no meio da cidade.

Como uma mancha de leite, a presença do ganso clareia o terraço. Aquilo que era sujo, escuro e abandonado, que não era senão um inútil espaço urbano, tornou-se o estojo de um segredo. Nenhuma das pessoas lá embaixo sabe que no topo de um prédio um quase cisne move o pescoço com elegância e, em curva, traz a cabeça para afofar as penas com o bico. Ninguém desconfia que no alto, para onde não se volta o olhar, uma bela ave branca abre as asas como um leque.

Ela está distante, o ganso não a ouviria se chamasse, e não sabe como se chamam gansos quando não se tem comida a oferecer, só afeto. Tão belo e só, largado ali ou ali posto como um prisioneiro. Na certa, alguém vem todo dia trazer-lhe ração, encher cuia com água, alguém que ele conhece, morador de um dos tantos apartamentos, dono do ganso e de uma das janelas, alguém que depois nem pensa mais na branca ave solitária.

E eis que uma ponta branca surge num canto, saindo de trás da mureta. Uma ponta, e logo outra a seu lado, mais baixa. Movem-se aquelas manchas claras que ainda não dizem o que são. Param, tornam a se mover, e avançando juntas para o centro do terraço. Revelam-se, orelhas primeiro, corpo depois. É um coelho. O ganso não está só.

Pula o coelho sobre o cimento escuro. O que parecia melancólico tornou-se alegre, dois companheiros desemparelhados transformam o topo do prédio em uma fazendola.

Agora ela sorri, contente por ter sido ludibriada, como se tivesse feito parte de um jogo. Pensa que à noite, debaixo do telhadinho, ganso e coelho se embolam para dormir, partilhando o calor de pelo e pena como se fossem de uma mesma ninhada. Diferentes, ainda assim se querem. De que modo se falam?, pergunta-se ela. No cimento cinzento, o coelho avança com seus discretos saltos em direção ao ganso. O outro certamente ouve o ruído das pequenas unhas sobre o piso. E o cheiro do coelho lhe chega.

Ela ficaria ali, olhando, mas seu tempo acabou. Sai do quarto. Duas personagens brancas a acompanham na lembrança enquanto caminha pelo corredor escuro rumo ao elevador.

MARINA COLASANTI
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PENSAMENTOS DE FILÓSOFOS CLÁSSICOS: Aristóteles, Sócrates, Platão, Cícero, Sêneca, Epiteto, Virgílio, Demóstenes, Eurípedes, Plutarco e Epícrates.



É lícito afirmar que são prósperos os povos cuja legislação se deve aos filósofos. (Aristóteles)

A filosofia é o melhor remédio para a mente. (Cícero)

O ser humano não pode deixar de cometer erros; é com os erros, que os homens de bom senso aprendem a sabedoria para o futuro. (Plutarco)

A filosofia é um bom conselho. (Sêneca)

A vida feliz consiste na tranqüilidade da mente. (Cícero)

A alma reluta em ser privada da verdade. (Epiteto)

Nada se espalha com maior rapidez do que um boato. (Virgílio)

Só a educação liberta. (Epiteto)

Quem foi expulso do reino da verdade jamais poderá ser tido como um homem feliz. (Sêneca)

O que você tem capacidade de fazer, tem capacidade também de não fazer. (Aristóteles)

Em tudo o que fazemos, temos em vista alguma outra coisa. (Aristóteles)

Deixe que cada um exercite a arte que conhece. (Aristóteles)

Aquilo que é verdadeiro, simples e sincero é bastante compatível com a natureza do homem. (Cícero)

A verdadeira nobreza está na bondade. (Epícrates)

Ninguém acredita em um mentiroso, mesmo quando ele diz a verdade. (Cícero)

Nosso caráter é resultado de nossa conduta. (Aristóteles)

Todo homem é atingido pelos próprios crimes. (Cícero)

Projetos conjuntos têm mais chance de sucesso quando beneficiam ambos os lados. (Eurípedes)

Você será avarento se conviver com homens mesquinhos e avarentos. Será vaidoso se conviver com homens arrogantes. Jamais se livrará da crueldade se compartilhar sua casa com um torturador. Alimentará sua luxúria confraternizando-se com os adúlteros. Se quer se livrar de seus vícios, mantenha-se afastado do exemplo dos viciados. (Sêneca)

É extremamente fácil enganar a si mesmo; pois o homem geralmente acredita no que deseja. (Demóstenes)

Os cidadãos não terão alívio do mal, meu querido Glauco, nem a raça humana, creio, a não ser que os filósofos governem as cidades ou que os que hoje chamamos de reis e governantes estudem filosofia verdadeira e genuinamente, até que o poder político e a filosofia coalesçam e as diversas natureza dos que hoje perseguem alguém até a exclusão do outro sejam forçosamente impedidas de fazê-lo. (Sócrates, segundo Platão)

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O ENAMORAMENTO, SEGUNDO SCH
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O ENAMORAMENTO, SEGUNDO SCHOPENHAUER.



Tese: O sentimento de amor é central para o homem. Certamente o tema mais abordado por todas as artes e pela cultura em geral.
A filosofia deve ocupar-se do amor, afirma Schopenhauer. Mas exatamente nesse elevado nível, em que o homem parece exprimir melhor a própria individualidade e espiritualidade, descobre-se uma ilusão. Por trás de toda manifestação de amor, mesmo a mais pura, sincera e sutil, está o instinto procriador. Uma determinação biológica voltada ao acasalamento e à reprodução da espécie. 

A tese de Schopenhauer, que terá grande interesse para Freud e Jung, é de que não existe amor sem sexualidade. O enamoramento está voltado para a continuidade da espécie, onde o amor é um mero instrumento da natureza. De fato, se o homem não fosse movido por um instinto erótico jamais colocaria filhos no mundo. Ninguém seria tão maldoso a ponto de desejar que qualquer ser viva neste vale de lágrimas. O orgasmo é uma tática para driblar a culpa de gerar uma nova vida. 

Todo o enamoramento, por mais que queira se mostrar etéreo, tem a sua raiz unicamente no instinto sexual; ou melhor, em tudo e por tudo, é somente um impulso sexual determinado, especializado e rigorosamente individualizado...
O êxtase encantador que arrebata o homem à vista de uma mulher cuja beleza lhe apraz e que o leva a imaginar a união com ela como o supremo bem é exatamente o sentido da espécie, que, reconhecendo o seu caráter claramente impresso nela, desejaria perpetuá-lo com a mesma. Dessa decidida inclinação para a beleza depende a conservação do tipo da espécie: por isso ele age
com tamanha força... 

Portanto, o homem é realmente guiado por um instinto que tende ao melhoramento da espécie, mesmo que se iluda ao pensar que busca somente um aumento do próprio prazer. De fato, o que temos é um instrutivo esclarecimento sobre a íntima essência de todo instinto, que quase sempre, como aqui, coloca o indivíduo em movimento para o bem da espécie...
Em conformidade ao exposto caráter do assunto, todo enamorado, depois do gozo finalmente alcançado, experimenta uma estranha desilusão e se surpreende de que aquilo que tão ardentemente desejou não ofereça nada mas do que qualquer outra satisfação sexual; tanto que agora já não se sente mais por ele impelido. 

Com freqüência se vê um homem de boa constituição, espirituoso e delicado ser preterido em favor de um outro feio, estúpido e grosseiro. Igualmente são feitos casamentos por amor entre pessoas extremamente diferentes sob o ponto de vista do espírito:por exemplo, ele é rude, forte e estúpido; ela, delicada, impressionável, instruída, de pensamento refinado, senso artístico; ou então ele, é muito sábio, talentoso enquanto ela é uma néscia. Como a sensibilidade, a boa constituição e a sabedoria são características femininas, as mulheres rejeitam tais qualidades nos homens pois elas mesmas podem passar à prole. Por isso as mulheres rejeitam freqüentemente os eruditos, pois o amor é questão de instinto e não de razão, intelecto ou bom senso.
Logo, aquele desejo estava para todos os seus demais desejos na mesma relação em que a espécie está para o indivíduo –ou seja, entre uma coisa infinita e finita. A satisfação, ao contrario, só se realiza propriamente para o bem da espécie e não cai, portanto, na consciência do indivíduo, o qual, animado pela vontade de espécie, servia com todo o sacrifício a um fim que não era o seu próprio. 

Imaginava-se que o instinto tinha pouco império sobre o homem, ou que pelo menos não se manifestava mais quando o recém nascido instintivamente tratava de procurar e sugar os seios de sua mãe. Porém, na realidade, há um instinto muito determinado, muito atuante, e muito complexo que nos guia na eleição tão fina, tão séria, e tão particular da pessoa que se ama, e de possuí-la com tal voracidade. Por sinal, esta relação instintiva ao nascer deve ser muito marcante. Isso explicaria a causa de quase todos os homens se interessarem por mulheres dotadas personalidade parecida com a da mãe.
Schopenhauer divide a natureza da Vontade em três níveis de importância: Vontade (geral); vontade individual e vontade da espécie.

Vontade - A Vontade é o único elemento permanente e invariável do espírito, aquele que lhe dá coerência e unidade, que constitui a essência do homem. A vontade seria o princípio fundamental da natureza, independente da representação, não se submetendo às leis da razão. Schopenhauer afirma que o real é em si mesmo cego e irracional, enquanto Vontade. "A consciência é a mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta". O inconsciente apresenta assim, um papel
fundamental na filosofia de Schopenhauer. A vontade é, acima de tudo, uma vontade de viver e de viver na máxima plenitude. Desde que o mundo é essencialmente vontade, não pode deixar de ser um mundo de sofrimento. A vontade é um índice de necessidade, e como ela é imperecível, continua sempre insatisfeita. A aparente satisfação da vontade conduz ao tédio. A satisfação de um desejo é como a esmola que se dá ao mendigo, só consegue manter-lhe a vida para lhe prolongar a miséria. Por isso mesmo a vontade é um mal e a origem de todos os males.

Vontade de Individual - É o poderoso impulso que impele todo ser a perpetuar o máximo possível a sua existência e condição na condição atual. Está presente de modo consciente, como instinto de sobrevivência, no homem e nos animais. Uma de suas características é sua luta contra o devir(mudança) e à própria morte.

Vontade da Espécie - Como o mundo é um constante devir, a vida, para continuar existindo, precisa igualmente mudar para evitar o perecimento. Para tanto criou as espécies e as dotou de uma vontade própria de conservação e vida. É através do instinto das espécies que os seres singulares podem adiar ou sacrificar suas vontades individuais em prol da perpetuação da espécie e da vida.

Bibliografia:
SCHOPENHAUER, Metafisica del Amor. Madrid: Don Quijote, 1993.
NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada de Filosofia. São Paulo: Editora Globo, 2005.

LINKS INDICADOS: PENSAMENTOS DE FILÓSOFOS CLÁSSICOS: A
segunda-feira, 12 de maio de 2014 0 comentários

AS TRÊS PENEIRAS



Um rapaz procurou Sócrates e disse-lhe que precisava contar-lhe algo sobre alguém.
Sócrates ergueu os olhos do livro que estava lendo e perguntou:
- O que você vai me contar já passou pelas três peneiras?
- Três peneiras? - indagou o rapaz.
- Sim ! A primeira peneira é a VERDADE. O que você quer me contar dos outros é um fato? Caso tenha ouvido falar, a coisa deve morrer aqui mesmo. 

Suponhamos que seja verdade. Deve, então, passar pela segunda peneira: a BONDADE. 
O que você vai contar é uma coisa boa? Ajuda a construir ou destruir o caminho, a fama do próximo?

Se o que você quer contar é verdade e é coisa boa, deverá passar ainda pela terceira peneira: a NECESSIDADE. 
Convém contar? Resolve alguma coisa? Ajuda a comunidade? Pode melhorar o planeta?
Arremata Sócrates:
- Se passou pelas três peneiras, conte !!! Tanto eu, como você e seu irmão iremos nos beneficiar. Caso contrário, esqueça e enterre tudo. Será uma fofoca a menos para envenenar o ambiente e fomentar a discórdia entre irmãos, colegas do planeta.

SÓCRATES 
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Faça sua inscrição no site: http://enem.inep.gov.br/

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ESTA VIDA É UMA ESTRANHA HOSPEDARIA...




"Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia."

(Mario Quintana)
domingo, 11 de maio de 2014 0 comentários

FELIZ DIA DAS MÃES! - Texto indicado por MARTHA MEDEIROS



FELIZ DIA DAS MÃES! - Texto indicado por MARTHA MEDEIROS

“Para comemorar o nosso dia, deixei pra lá os textos água com açúcar e resolvi postar uma historinha divertida, mas atenção, atenção, atenção: NÃO É DE MINHA AUTORIA, e infelizmente não sei quem escreveu, recebi como "autor desconhecido". Como produz esse tal de Autor Desconhecido! Please, não passe adiante com o meu nome, ok? Eu apenas estou compartilhando porque acho que as mães, realmente, merecem uma folga. Viva nós!”  Martha Medeiros


MAMÃE.COM – autor desconhecido

1°. Convenção Familiar

Queridos Filhos,

Em primeiro lugar, Mamãe gostaria de agradecer a presença de todos nesta Primeira Convenção Familiar. Mamãe sabe como foi difícil abrir um espaço nas agendas de cada um de vocês: Papai tinha uma lavagem de carro praticamente inadiável, Júnior já tinha marcado de se trancar no quarto, Carol estava para receber pelo menos três telefonemas importantíssimos de uma hora e meia cada um. Mamãe está comovida. Muito obrigada.

Bem, conforme Mamãe já tinha mais ou menos antecipado, esta convenção é para comunicar ao público interno - Papai, Júnior e Carol - todas as modificações nos produtos e serviços da linha Mamãe. Como vocês sabem, a última vez que Mamãe passou por reformulações foi há 14 anos, com o nascimento do Júnior. De lá para cá, os hábitos e costumes, o panorama cultural, a economia e o mercado passaram por transformações radicais. Mamãe precisa acompanhar a evolução dos tempos, sob pena de ver sua marca desvalorizada. Para começar, Mamãe vai mudar a embalagem. Mamãe sabe que esta é uma decisão polêmica, mas, acreditem, é o que deve ser feito. Mamãe sai desta convenção direto para um spa, e de lá para uma clínica de cirurgia plástica. Nada assim tão radical. Haverá pouquíssimas alterações de rótulo, vocês vão ver. Mamãe vai continuar com praticamente o mesmo formato, só que com linhas mais retas em alguns lugares e linhas mais curvas em outros. Calma, Papai! Mamãe já captou recursos no mercado. Mamãe vai ser patrocinada por uma nova marca de comida congelada. Lei Rouanet, porque Mamãe também é cultura.

Junto com o lançamento da nova embalagem de Mamãe, no entanto, acontecerá o movimento mais arriscado deste plano de reposicionamento. Sinto informar, mas Mamãe vai tirar do mercado o produto Supermãe. Não, não, não adianta reclamar. Supermãe já deu o que tinha de dar. Trata-se de um produto anacrônico e superado, antieconômico e difícil de fabricar. Mamãe sabe que o fim da Supermãe vai aumentar a demanda pela linha Vovó, que disputa o mesmo segmento. Paciência. Você não pode atender todos os públicos o tempo todo. No lugar da Supermãe, Mamãe vai lançar (queriam que eu dissesse 'vai estar lançando', mas eu me recuso) novas linhas de produtos mais adequados à realidade de mercado. Vocês vão poder consumir Mamãe nas versões Active (executiva e profissional), Light (com baixos teores de pegação de pé), Classic (rígida e orientadora), Italian (superprotetora) e Do-It-Yourself (virem-se, fui passear no shopping). Mas uma de cada vez, sem misturar. Ah, sim, Mamãe detesta esses nomes em inglês, mas me disseram que, se não for assim, não vende.
Mamãe gostaria de aproveitar a oportunidade para lançar seus novos canais de comunicação. De hoje em diante, em vez de sair gritando pela casa, vocês vão poder ligar para o SAC-Mamãe, um 0300 que dá direto no meu celular (apenas 27 centavos por minuto, mais impostos). Mamãe também aceita sugestões e críticas no endereço mamae@mamae.net
Mais uma vez, Mamãe agradece a presença e a atenção de todos.

LINKS INDICADOS: NADA É MAIS VOLÚVEL QUE O C

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NADA É MAIS VOLÚVEL QUE O CORAÇÃO DE MÃE



"Perguntaram a uma mãe qual era seu filho preferido. 
E ela respondeu:

 "Nada é mais volúvel que um coração de mãe".
 O filho predileto, aquele a quem me dedico de
 corpo e alma 
 é o meu filho doente até que sare
 O que partiu, até que volte
 O que está cansado, até que descanse
 O que está com fome, até que se alimente
 O que está com sede, até que beba 
O que está estudando, até que aprenda 
O que está nu, até que se vista 
O que não trabalha até que se empregue 
O que namora, até que se case 
O que casa até que conviva 
O que é pai, até que crie os filhos 
O que prometeu, até que cumpra 
O que chore, até que cale 
O que me deixou, até que o reencontre.  

Feliz dia das mães!


LINKS INDICADOS: FELIZ DIA DAS MÃES! - Texto indicado por MART

sexta-feira, 9 de maio de 2014 1 comentários

UM GRITO NO AR



Vou conta a minha história
Aconteceu de verdade
Às vezes sinto tristeza 
E outras sinto saudade

Meu nome é Ana Amélia 
Nascida nessa cidade
Vou contar toda história
Sem esconder a verdade
Sou filha de ex-combatente
Da grande Segunda Guerra 
Que foi herói na Itália
E mendigo em sua terra

Um cargo de funcionário
foi tudo o que conseguiu
este herói resistente 
Quando voltou ao Brasil

Boa noite companheiros
Estou aqui relatando
A maldade de grilheiros 
Pela qualç passamos

se tens o mesmo problema
Vamos dar as mãos 
Para enfrentar esta guerra
Em nome da habitação

Aconteceu na Cavanca 
N°1.201
Um terrível pesadelo
Que maltratou um por um

A terra onde eu morava
Era posse muito antiga
Não podia imaginar
Que fosse dar tanta briga

Era um lugar tranquilo
Todos viviam contentes 
A vida era só alegria 
Nada incomodava a gente  

Mesmo depois de casar 
Continuei morando
Neste lugar tão lindo
E os meus filhos criando

Agora prestem atenção
Em tudo que aconteceu
Este lugar tão alegre
Um dia entristeceu

No ano de 84 
As coisa aconteceram
Quatro terríveis grilheiros 
Aqui apareceram

não eram os companheiros
Querendo nos ajudar
Mas sim terríveis grilheiros 
Querendo nos expulsar

Nos chamaram de invasores
da nossa própria terra
Sem saber que nela
Os filhos dos filhos criamos 

Começamos uma luta 
Em nossa associação
Com ajuda de amigos
Na mesma situação

Mas não é só aqui
Que isto está ocorrendo
Por causa de moradia 
Tem companheiro morrendo

Não confunda a pobreza com burrice, companheiro
Pois está sendo mais burro
Quem tem tanto dinheiro

Pra que pressa desta terra 
Não viverás eternamente
pode ficar sossegado 
Que dela serás semente 

O sinismo dos grilheiros 
Era demais transparente 
Comandavam a quadrilha
Que assustava a gente 

Foram momentos terríveis 
Eu nem gosto de lembrar
Cada lado que se olhava 
Via casa desabar

Sem teto e sem esperança
Ver pessoas mudando 
Carregando as crianças 
Que de medo iam chorando

Estas lagrimas sofridas
Que destes rostos desceram
Foram gotas de esperança
Que em cada um floreceram

Através do sofrimento
Aprendemos a lutar
Para sermos respeitados 
E ter onde morar

O pior de tudo isto
Foi que logo correu a notícia 
Os grilheiros agiram  
Com ajuda da policia 

ficamos muito assustados 
Pedir ajuda a quem?
Se quem devia ajudar 
veio destruir também

Resolvemos dar um basta 

Em toda essa ausadia 
E fomos todos à luta
Por direito a moradia 

Esta terra nos pertence
Está na constituição
Dez anos residente 
Queremos usocapião

Por que perseguir o pobre?
Que quer apenas morar 
E deixar impunes os ricos
Que de avião vão roubar?

Não entregue a sua casa 
A bandidos desfarçados 
Que não passam de grilheiros 
vestidos de advogados 

Até hoje não sabemos 
Como que terminou
Aquele monte de pedras
Que o tal marajá roubou

Eram pedras preciosas 
Brilhavam, brilhavam, sim
Estamos só querendo saber 
Quem a estas pedras deu fim 

O pior aconteceu
No mês de outubro passado
Era manhã muito fria 
Eu mal havia acordado 

Destes dias companheiros 
Não gosto nem de lembrar 
De um homem que me chamava 
Com uma folha a mostrar 

Eu sou um oficial
E trago uma sitação
Ponha tudo no quintal
Vai haver demolição

Foi tudo tão derrepente 
Não pude buscar socorro
Algemada e agredida
Não pude deixar o morro

O pior de tudo isto 
Que pude presenciar 
Foi a própria polícia
Que veio nos espancar 

Um sargento da poícia 
Abusando do poder
Usando de toda a malicia 
para tentar me ofender

Parecia que eu era
Uma criminosa vulgar 
Jogou-me de rosto na terra 
Para em meu corpo pisar 

Naquela hora senti
O mundo desmoronar 
Saber que quase morrir 
Por defender meu lar 

Quando vêm as eleições 
As promessas são diárias 
Sobre o usocapião 
E a reforma agrária 

Dizem defender as crianças 
Beijão mãos de favelados 
Promovem grandes festanças 
Para serem mais votados 

Foi o nosso presidente 
Quem disse que acabaria 
Com os marajás existentes 
E a violência do dia 

Depois de ter sido eleito 
A história se inverteu 
O rico ficou mais rico 
O médico empobreceu 

É assim que o governo
Quer acabar com a violência 
Jogando o pober na rua 
Sem poder e sem decencia 

Não tinha um palacete
Mas me sentia rainha 
A minha casa modesta 
Era tudo o que eu tinha 

Levamos quase dez anos 
Para a casa construir 
Em alguns minutos 
Vi tudo se destruir 

Foi ai que começou 
O meu grande sofrimento
A minha pobre família 
Ficou jogada ao relento 

Naquele dia senti 
o mundo desmoronar
Meus filhos me perguntavam 
Mãe, onde vamos morar?

Eu não tinha o que responder 
Para os meus filhos queridos 
Ali eu fiquei parada 
Com o coração partido 

Mas derepente em mim 
Uma coisa aconteceu 
Uma força muito estranha 
Que a todos surpreendeu 

Vou continuar na luta 
Com muita dedicação 
É preciso conquaistar 
A grande transformação 

Depois de toda essa luta
Pensei que estava acabado 
Todo aquele sofrimento 
Que vivi no passado 

Meu marido conseguiu 
Um emprego na Com lurb
Então fez a inscrição 
Para a casa própria da Rio-Urbe

Ficamos muito felizes 
Pois estávamos vencendo
Sem poder imaginar  
Que ele estava morrendo 

Meu marido sofreu muito
Com tudo que aconteceu
Passou a sofrer dos nervos 
E a gastrite apareceu

Continuou trabalhando
Mesmo estando doente 
Era muito preocupado
Com o bem-estar da gente

Até que chegou um dia 
Que ele não aguentou
De tanta dor que sentia 
Um hospital procurou

Foi então que começou
A fazer tratamento 
Mas meu marido já estava 
Todo estragado por dentro

Depois de muito tratar 
Só tinha uma solução
Para acabar com o problema 
Somente uma operação

Logo após a cirurgia
A doença evoluiu
No estômago do meu marido
Maldito câncer surgiu

Quando o médico falou 
Eu perdi a esperança 
Eu ainda não sabia 
Que esperava criança

Fiquei triste e perdida 
Sem saber o que fazer 
Eu ia dar uma vida 
Vendo a outra morrer 

Quando o nené nasceu 
Ele não foi visitar 
Pois estava internado 
Para denovo operar 

Depois destacirurgia 
A doença piorou 
Reclama todo dia 
Pois sentia muita dor 

Não gosto nem de lembrar 
Aquele dia fatal 
O meu marido morreu 
Bem pertinho do Natal

Não posso culpar a Deus 
Por tirar ele de mim
Estava sofrendo muito 
Por isso chegou o fim

Amei-o a vinda inteira 
Nunca pensei em o peder 
Parecia mentira
Assistir ele morrer 

Eu fiquei ali parada 
Não queria acreditar 
Que meu marido estava 
Parando d respirar 

Saí dali desolada 
Querendo um abraço amigo
Me sentindo abandonada
Ninguém que estava comigo

Depois de toda a tristeza 
Não olhaei só para frente 
Olhando também para atrás 
Vi tristeza em muita gente 

Embrulhei o meu passado 
Com um papel de esperança 
Amarrei fazendo uma laço 
Com o que restou das lembranças

Ana Amélia R.Ribeiro
 
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