2c6833b0-77e9-4a38-a9e6-8875b1bef33d diHITT - Notícias Sou Maluca Sim!: junho 2017
quinta-feira, 8 de junho de 2017 0 comentários

PREGUIÇA: UMA DAS MÁSCARAS FAVORITAS DO MEDO



Hoje em dia quando ouvimos alguém dizer que alguma coisa lhe dá preguiça levamos as mãos à cabeça. Uma pessoa preguiçosa não é digna de aprovação do sistema social, já que é vista como alguém folgado que não é capaz de cumprir suas obrigações, e até chegamos a considerá-la como alguém inferior. Uma pessoa frágil carente de vontade.

Obviamente, todos os seres humanos sentem preguiça em maior ou menor grau, e as razões por trás disso são evolutivas. Como todas as nossas emoções, a preguiça também tem uma função: reduzir o nosso gasto de energia, de forma que sempre tenhamos reservas em caso de necessidade.

Os hominídeos assumem a alternativa de exercer a preguiça durante o tempo em que não é conveniente desperdiçar a própria glicose cerebral.

A preguiça implicava uma economia de energia, pois nem sempre existia excesso de nutrientes. Então, deixar-se dominar por ela em determinados momentos podia ser uma medida bastante adequada em prol da nossa sobrevivência. Atualmente esta preguiça já não é tão útil, mas ainda assim muitos de nós continuamos desenvolvendo-a para posteriormente nos sentirmos culpados.

A sociedade nos incutiu a ideia de que ser preguiçoso nos transforma em seres inferiores, que merecem as críticas e os olhares depreciativos do restante do grupo social. É por isso que logo nos sentimos culpados.

Quando usamos a preguiça para justificar nossos medos

Muitas vezes achamos que estamos com preguiça e deixamos de realizar certas atividades que nós mesmos tínhamos decidido empreender. Nos justificamos dizendo a nós mesmos que faremos em outro momento em que tivermos mais vontade ou energia. Contudo, finalmente percebemos que isso não irá acontecer.

Os medos podem ser mascarados de diversas formas e a preguiça costuma ser uma das máscaras mais favoritas do temor de realizar alguma coisa e de que as coisas não saiam perfeitas, ou de empreender o que tínhamos pendente e que talvez não seja aprovado pelo nosso entorno. Neste sentido, a preguiça age como uma ferramenta de fuga da realidade.

“Se percebermos que isso acontece com certa frequência, será preciso tirar a máscara desses medos e tomar uma atitude, independentemente de gostarmos ou não.”

Acontece que a preguiça chama a preguiça. Isso é, quanto mais peso damos a este estado de indolência, mais sem vontade nos sentiremos e menos força de vontade teremos para sair da inatividade. Isso irá repercutir negativamente em nossos medos, que crescerão com mais força, agarrados à racionalização do conceito de “farei isto amanhã” ou “quando tiver vontade e motivação”.

É por esta razão que é tão importante identificar se realmente temos vontade de parar um pouco, tirar as exigências e obrigações autoimpostas e retomar à nossa própria homeostase interior, ou se temos medo de empreender coisas que sabemos que são importantes para nós.

O medo alimentado cresce e se generaliza: traz mais medos, que acabam nos aprisionando quase totalmente.

Ativação longe das obrigações

Deixar de manter a preguiça não significa ir de um extremo ao outro e começar a encher a nossa agenda de obrigações desnecessárias. Não só isso, ter tantas obrigações pode incrementar de tal modo a força da preguiça que pode acabar nos vencendo quando menos gostaríamos.

Está certo, e é totalmente válido, não ser tão extremista e criar um espaço para o nosso deleite pessoal, muito além do que devemos ou não fazer.

Para isso, é conveniente abandonar o sofá e a televisão que nos aprisionam à inanição mais profunda e não nos ajudam a nos sentirmos plenos nem realizados. O ideal seria usar essa preguiça para fazer atividades de lazer e ócio.

O ócio não é a mesma coisa que a preguiça. Os romanos introduziram este termo para diferenciá-lo de negócio – a negação do ócio, isto é, aquilo que se realiza para obter renda e poder viver. Com o ócio, a pessoa realiza aquelas atividades que lhe agradam de forma profunda, aquilo que leva no seu interior de forma mais natural.

Se é o caso de podermos unir negócio e ócio, então seremos pessoas muito privilegiadas, já que obteremos ganhos pelo fato de nos divertirmos ou realizarmos uma atividade prazerosa.

A preguiça, por sua vez, é entendida como a não realização nem de atividades de negócio, nem de ócio, e portanto semeia a semente do desleixo, o cansaço sustentado e inclusive a depressão, já que não produz mais retroalimentação do que a culpa.

Por isso, o mais conveniente é se manter sempre no ponto médio, que como dizia Aristóteles, é onde está a virtude: não se deixar levar pelas obrigações absolutistas de nossa era, nem abandonar o nosso próprio eu à preguiça.

O sensato é caminhar em direção ao lugar onde estivermos ativos, nos sentirmos úteis e tivermos objetivos e, além disso, tivermos tempo para dedicá-lo a nós mesmos, à família, aos amigos e a gozar a vida.

 A mente é maravilhosa.
domingo, 4 de junho de 2017 0 comentários

POR QUE REPETIMOS OS MESMOS ERROS?

POR QUE REPETIMOS OS MESMOS ERROS? 



De novo, de novo e de novo...
Quando conteúdos recalcados irrompem como sintoma,
sobrevém o sofrimento, mas também o alívio.

Em seu novo livro, o psicanalista e psiquiatra J.-D. Nasio parte de um questionamento comum, aparentemente comum, que a maioria das pessoas já fez em algum momento. A banalidade, porém, é mesmo só aparente: o tema é profundo, relacionado à constituição do sujeito e da subjetividade, ao determinismo psíquico – e arraigados sofrimentos que levam as pessoas a acreditar que são vítimas de um princípio “demoníaco”, como escreveu Sigmund Freud.

Por que repetimos os mesmo erros parte da noção de inconsciente, essa “força soberana que nos confere identidade social e nos impele a escolher a mulher ou o homem com quem compartilhamos a vida, a escolher a profissão que exercemos, a cidade ou a casa onde moramos – escolhas que julgamos deliberadas ou fortuitas ao passo que, na verdade, nos foram sutilmente ditadas pelo inconsciente”.

É essa instância que nos impele a repetir tanto o que nos faz bem, de forma sadia, quanto comportamentos que nos prejudicam.

Nasio reflete sobre essa ambivalência psíquica tomando como ponto de partida casos que fazem parte de sua experiência clínica. Destaca três leis que regem o processo repetitivo:
1. lei do mesmo e do diferente (algo jamais se repete de maneira absolutamente idêntica, aparece sempre um pouco diverso);
2. lei da alternância da presença e da ausência (a repetição não acontece todo o tempo);
3. lei da intervenção de um observador que enumera a repetição (só existe o fenômeno porque o contabilizamos, nomeamos e apontamos o número de vezes que ele se reproduz).

Embora muitos se deem conta do quanto são presas fáceis de cenários de fracasso que se reeditam levemente modificados, nem toda repetição é, necessariamente, prejudicial. Um dos pontos destacados no livro é seu efeito benéfico, quando associada à autopreservação, ao desenvolvimento e à formação da própria identidade – e sem caráter compulsivo.

Segundo Nasio, que durante 30 anos lecionou na Universidade de Paris VII, do ponto de vista psíquico é possível destacar três pontos de retorno ao próprio passado: por meio da consciência (marcada por recordações na maioria das vezes visuais, mas também táteis, gustativas ou olfativas ao que esteve esquecido, como Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust); em atos sadios (retorno, por meio dos comportamentos, a um passado conturbado e recalcado); e em atos patológicos (retorno compulsivo a um passado traumático e recalcado por meio de comportamentos).

As duas primeiras situações são qualificadas como sadias. A última, entretanto, tem caráter patológico.

É justamente a volta ao trauma que incomoda as pessoas que buscam atendimento psicológico ao perceberem, no presente, a eclosão do sintoma ou da ação impulsiva, também chamada de passagem ao ato. Sigmund Freud escreveu: “Os abalos inconscientes não querem ser rememorados, mas aspiram a reproduzir-se; o doente quer agir suas paixões”.

Nasio se encarregou dos grifos, ao definir a repetição patológica como uma série de pelo menos três ocorrências, na qual “uma emoção infantil, violenta, forcluída e recalcada aparece, desaparece, reaparece e reaparece novamente alguns anos mais tarde, na idade adulta, sob a forma de uma experiência perturbadora cujos paradigmas são o sintoma e a passagem ao ato”.

O autor destaca ainda duas formas básicas de repetição patológica: temporal e tópica. A temporal é facilmente detectada e o paciente sente que “faz parte dela”, é protagonista do sintoma, volta e meia se vê tragado por situações nas quais reconhece o sintoma. Já a repetição tópica ou espacial não é reconhecida pela pessoa, mas deduzida pelo analista.

Em Além do princípio do prazer, de 1920, Freud escreve que a criança nunca se cansa de repetir uma brincadeira ou ouvir uma história, é o adulto que lhe impõe o limite. Fica claro para qualquer um que tenha vivido diretamente ou presenciado esse tipo de situação que o prazer provocado pela repetição pode estar associado à compulsão pela gratificação. Mas quando conteúdos recalcados irrompem subitamente, transmutados em sintoma, o que sobrevém é o sofrimento. Ao mesmo tempo, porém, esse movimento permite uma descarga de tensão que, em algum nível, proporciona alívio.

Para dar conta dessa aparente contradição, Nasio recorre à teoria lacaniana, segundo a qual o gozo oferece dor e prazer, simultaneamente. O autor chama a atenção para o fato de que somos tanto atores quanto espectadores das repetições.

No momento em que retoma uma emoção traumática, a pessoa em análise é, simultaneamente, aquela que revive o trauma e que se observa revivendo essa experiência – e aí está uma porta possível para a ressignificação da repetição, da tentativa de controlar o que foi vivido passivamente. É um aspecto do que Nasio chama de “revivescência”, que se constitui ao longo de várias sessões psicanalíticas, indo muito além da rememoração.

O autor escreve: “Convém ao mesmo tempo sentir e ter consciência de sentir, dissociar-se entre aquele que revive o trauma e aquele que se vê revivendo o trauma”. Um processo árduo, delicado e em geral doloroso – mas felizmente possível e libertador.

Maria Maura Fadel
 
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